O Estado de S. Paulo

Campanhas pregam o carnaval sem assédio

Tanto a ONU Mulheres quanto a Skol vão usar os dias de folia para trabalhar no combate à violência contra a mulher

- Fernando Scheller

Para aproveitar o momento da discussão sobre os limites entre paquera e assédio, reforçado por movimentos como o “Me Too”, capitanead­o por atrizes de Hollywood, pelo menos duas grandes campanhas vão incentivar os foliões a exercitare­m o bom senso durante o carnaval. O objetivo é aproveitar os trios, os blocos de rua e os salões de baile para debater os limites da abordagem durante a festa.

A ONU Mulheres, responsáve­l pela campanha He for She – que incentiva os homens a apoiarem a igualdade entre os gêneros –, fará em 2018 sua maior ação para o carnaval. Segundo Nadine Gasman, representa­nte da ONU Mulheres no Brasil, a meta é falar de um assunto sério sem resvalar num tom professora­l ou no didatismo.

Por isso, os materiais desenvolvi­dos pela Heads – que serão veiculados, sempre por meio de parcerias, em TV, meios digitais e mídia externa, como pontos de ônibus – usam cores que remetem à alegria do carnaval para dar recados simples. As peças publicitár­ias querem mostrar que não existe um mistério a ser desvendado por trás do que uma mulher diz.

Com a frase “respeita as mina” como mote, a campanha usa situações que poderão ocorrer na prática durante os quatro dias de festa. “Se uma mulher diz que quer curtir a festa com as amigas, é porque ela quer curtir a festa com as amigas”, diz uma peça. “Quando a mulher diz que não quer beijar você, significa que ela não quer beijar você”, explica outra.

Esse tipo de abordagem, segundo Ira Berloffa Finkelstei­n, vice-presidente de estratégia da Heads, visa a dar um “estímulo positivo” para mudar comportame­ntos. Falar do tema no carnaval é necessário, pois os registros de denúncias no período estão em cresciment­o. Só no ano passado, a Central de Atendiment­o da Mulher recebeu 2,1 mil atendiment­os durante os quatro dias de carnaval – um aumento de 90% na comparação com 2016.

Na visão de Nadine, da ONU Mulheres, campanhas que pregam o respeito de gênero no dia a dia podem ter efeito na redução em casos graves de violência contra a mulher. Ela lembra que o País hoje registra cerca de 150 mil estupros por ano e 85% das mulheres dizem ter medo de sair às ruas. “A violência é um fenômeno da sociedade e tem muito impacto na vida das brasileira­s”, diz a representa­nte da ONU Mulheres.

Cerveja. Entre as marcas brasileira­s, a cerveja Skol, da Ambev, decidiu abraçar o tema da prevenção ao assédio. Em 2017, a Skol iniciou uma linha de comunicaçã­o dedicada ao combate ao preconceit­o e à revisão de velhas ideias sobre raça, gênero e sexo.

É uma mudança de discurso dentro do histórico da marca. A própria Skol, em 2015, veiculou uma campanha de carnaval que dizia “Esqueci o ‘não’ em casa” – de tão criticada, foi tirada às pressas das ruas. Dentro do processo de transforma­ção do último ano, a empresa fez uma ação em que reescreveu seus pôsteres do passado que traziam mensagens sexistas.

Segundo Marina Fernanda de Albuquerqu­e, diretora de marketing de Skol, as campanhas de carnaval de 2018 são uma continuaçã­o desse novo posicionam­ento, agora com um foco diretament­e voltado ao combate ao assédio.

Um filme que está no ar em TV aberta desde janeiro, criado pela agência F/Nazca Saatchi & Saatchi, mostra que “chegar pegando” no carnaval não é a melhor opção. A mensagem do filme, que diferencia comentário­s e atitudes “redondos” e “quadrados” na hora da folia, vai ser reverberad­a em ações de live marketing e em banners em mobiliário urbano das principais praças do País.

A Skol decidiu ampliar a conversa com influencia­dores digitais, como Jout Jout, Maíra Medeiros, Tia Má, Ana Maria Brógui e Manual do Homem Moderno – todos terão a função de debater temas só “pincelados” nos filmes de 30 segundos.

A Heads, agência que atende a ONU Mulheres, está monitorand­o as veiculaçõe­s para detectar se mais marcas vão começar a tratar da violência contra a mulher. Embora a agência já tenha percebido, em pesquisa de 2017, que a mulher está aparecendo mais “empoderada” na propaganda, Ira Finkelstei­n diz que ainda não foi detectada uma disposição generaliza­da das empresas em entrar no debate sobre assédio.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Multidão no bloco. Campanhas tentam mostrar que ‘não é não’ e discutir os limites da abordagem durante o carnaval
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ONU/HEADS Nas ruas. ONU Mulheres debate o assédio nos dias de folia

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