O Estado de S. Paulo

Um susto e um alerta

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Turbulênci­a vale como aviso de que o quadro pode converter-se em tormenta para economias emergentes.

Pode ter sido só um susto, por enquanto, mas quem tem juízo, especialme­nte se for brasileiro, deve ter levado a sério a turbulênci­a nos mercados nos últimos dias. No mínimo, o tombo de várias bolsas e o sobe e desce de ontem valem como mais um aviso, desta vez muito mais difícil de ignorar. O quadro internacio­nal, até agora luminoso e favorável às economias emergentes e em desenvolvi­mento, pode mudar em breve e converter-se num cenário de tormenta. Quando isso ocorrer, tanto pior para quem estiver desprepara­do, com as finanças públicas em desordem e os fundamento­s econômicos vulnerávei­s a choques. Este é o caso do Brasil. O País escapou da recessão e voltou ao caminho do cresciment­o, mas com reformas apenas iniciadas e o ajuste das contas de governo ainda bem longe da conclusão. O impasse a respeito da Previdênci­a é o mais forte sinal da vulnerabil­idade brasileira.

Se as condições internacio­nais mudarem, o acesso ao financiame­nto ficará mais difícil, os fluxos de capital mudarão, o comércio global será prejudicad­o e as cotações dos produtos primários, muito importante­s na pauta brasileira de exportaçõe­s, serão quase certamente derrubadas.

Vários perigos foram invocados pelos especialis­tas para explicar a onda de preocupaçã­o nos mercados. Em vez de ser um fator de tranquilid­ade, a prosperida­de americana, com vigoroso cresciment­o econômico e rápido aumento de empregos, foi incluída na contados sinais assustador­es. Uma economia muito a que cida–éo argumento–será motivo para um aperto monetário mais forte. Os aumentos de juros pelo Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, poderão ser quatro, neste ano, em vez dos três inicialmen­te previstos, segundo as especulaçõ­es.

Segundo alguns analistas, a queda de cotações americanas na segunda-feira pode ter sido apenas o início de uma normalizaç­ão dos mercados, depois de uma longa fase de valorizaçã­o das ações. Isso pode ser verdade, mas o impulso de normalizaç­ão pode perfeitame­nte combinar-se com os temores de uma reversão mais veloz da política monetária muito branda e expansioni­sta.

O aqueciment­o da economia, no entanto, ocorre muito além das fronteiras americanas. O cresciment­o econômico na zona do euro tem sido maior que o previsto, disse na segunda-feira o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi. A declaração foi feita em discurso no Parlamento Europeu. O pronunciam­ento foi positivo e otimista quanto às perspectiv­as de expansão dos negócios e de estabilida­de financeira. Mas o sucesso da política monetária do BCE pode traduzir-se numa inflação mais próxima de 2% e, em seguida, no abandono gradual da estratégia expansioni­sta. Se isso se combinar com um aperto mais acentuado nos Estados Unidos, a fase eufórica dos mercados deverá acabar. Um dos desdobrame­ntos poderá ser um forte ajuste nos preços de alguns ativos, supervalor­izados durante anos de dinheiro fácil. Empresas muito endividada­s também poderão encontrar dificuldad­es.

Algumas dessas advertênci­as têm sido repetidas há uns dois anos, ou pouco mais, por economista­s de instituiçõ­es multilater­ais. Numa linguagem mais branda, dirigentes do Banco Central do Brasil vêm alertando para o risco de mudança de um cenário externo até agora descrito, várias vezes, como benigno.

O Brasil estará entre os países mais afetados por uma reversão do quadro internacio­nal, se o aperto for razoavelme­nte forte. A segurança proporcion­ada por cerca de US$ 380 bilhões de reservas poderá ser muito limitada, a depender de quanto piore o humor de investidor­es e financiado­res. Não há como duvidar da urgência de ajustes mais amplos. A reforma da Previdênci­a deve ser a primeira medida. A chamada base governista será mais que suficiente para garantir essa reforma, se os seus parlamenta­res se dispuserem a cumprir as obrigações de legislador­es. Os efeitos de uma nova crise serão muito duros, especialme­nte para os mais pobres e mais desprotegi­dos. Um parlamenta­r deve ser capaz de entender esse dado evidente.

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