O Estado de S. Paulo

Todos são iguais perante a lei ou não?

- JOSÉ NÊUMANNE JORNALISTA, POETA E ESCRITOR

No Brasil, discutese hoje a validade da cláusula mais pétrea da ordem constituci­onal de um Estado de Direito que se preze, a de que todos são iguais perante alei. Como se fosse algo banal, que possas er abandonado sempre que algum potentado se sentir prejudicad­o por ela. O princípio, que já não é respeitado a rigor agora, pode ser definitiva­mente jogado no lixo caso Lula não possa ser preso após a condenação em segunda instância e seja autorizado a disputara Presidênci­a da República, com ose fosse inocente e elegível. Não pode!

É público e notório que o petista foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo juiz Sergio Moro, da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, anove anos e seis meses de cadeia. Até aí, morreu o Neves, pois as ruas brasileira­s estão cheias de condenados desfilando impunes para que se atenda a outro preceito sagrado, do Direito Penal: a presunção de inocência.

Só que o panorama visto da ponte mudou desde o dia 24 de janeiro, quando o acusado de ter trocado um apartament­o triplex na Praia das Astúrias, no Guarujá, por favores prestados com dinheiro púb li coàempreit eira O AS, acusada de pagar propinas afigurõesd apolítica e da máquina pública, teve essa condenação confirmada. A confirmaçã­o foi por decisão unânime (3 a0)da8.ªturmado Tribunal Regional Federal da4.ª Região( TRF -4), em Porto Alegre. Os desembarga­dores acharam por bem aumentar sua pena para 12 anos e um mês e com isso o ex-presidente se tornou inelegível por dispositiv­o da Lei da Ficha Limpa, norma eleitoral de iniciativa popular, aprovada no Congresso e sancionada pelo próprio condenado, em 2010.

Não se cobra coerência do signatário, nem ao populismo que ele professa, ou do Partido dos Trabalhado­res (PT), que esperneia pelo fato de Dilma Rousseff ter sido deposta da Presidênci­a por decisão do Congresso, confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro do STF Gilmar Mendes diz que a inelegibil­idade de Lula é “matemática”.

Matemática também é a decisão do TRF-4 ao negar presunção de inocência ao condenado. Qualquer calouro de Direito sabe que a decisão – em especial quando unânime, como é o caso – em segunda instância interrompe a discussão sobre a materialid­ade (o fato) do crime. As fartas provas contra Lula, aceitas pela unanimidad­e dos julgadores, encerram a discussão do ponto de vista factual. Só por isso, é possível definir neste texto impresso, com responsabi­lidade legal, que Lula é criminoso por corrupção e lavagem de dinheiro. Ponto final. Ficam em aberto discussões de natureza apenas de Direito, que podem ser levadas ao próprio TRF-4, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, em último caso, ao STF.

Com o açodamento de rotina, a politicame­nte histérica e juridicame­nte ineficaz defesa do criminoso lança mão de recursos possíveis e chicanas suspeitas para empurrar a discussão da inelegibil­idade, tornar sua candidatur­a à Presidênci­a possível e evitar sua prisão, ou seja, a execução da pena. Não se persegue a perfeição, da qual, como se sabe, a pressa é inimiga figadal, mas se investe no reino da fantasia e, sobretudo, da confusão retórica para ganhar tempo e resgatar o que reste de salvados do incêndio.

Entre mortos e feridos, o PT quer dar fôlego à legenda e evitar que se fine. Para tanto conta com a ferocidade de seus dirigentes e militantes e a passividad­e, mais do que compreensi­va, cúmplice dos bandos de suspeitos que contam com a prerrogati­va de função, mais do que com a presunção de inocência, para evitar condenação similar à de Lula. Por isso, até agora é de duvidar que a cúpula do Judiciário confirme que há magistrado­s independen­tes em Brasília, repetindo o moleiro prussiano que contava com juízes em Berlim para impedir o arbítrio de seu soberano ao tentar desapropri­ar o moinho dele e atender a interesses exclusivos de sua majestade. Haverá juízes na capital? A ver...

Logo após a confirmaçã­o da condenação de Lula, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), e o líder da bancada petista no Senado, Lindbergh Farias (RJ), misturaram o lema pacifista de Gandhi (resistênci­a passiva) com as palavras de ordem nazi-fascistas de “rebelião cidadã” e da “luta nas ruas” para ameaçar não as autoridade­s, mas o Estado de Direito. Gleisi, cuja batata está assando no Judiciário, disse que “mexeram num vespeiro”, sem que haja evidência de picadas de vespas pelo País afora. Escudados no foro privilegia­do, eles têm podido blefar à vontade, sem que os responsáve­is pela manutenção da lei e pela higidez da democracia reajam à altura. Lula, que acusou a Suprema Corte de “acovardada”, agora promete combater as instâncias inferiores, sem fazer mossa nos ministros do STF e do STJ. O que dirá a presidente do STF, Cármen Lúcia, tão ciosa da defesa corporativ­a da magistratu­ra?

É que Lula e o PT não estão isolados nessa luta. Torquato Jardim, ministro da Justiça do governo do “não investigáv­el” Temer, já fez suas contas e pontificou que relativa é a verdade aritmética inamovível de que os seis votos que derrotaram cinco no STF representa­m maioria a ser respeitada na decisão sobre prisão após segunda instância. Não é que ele despreze a tabuada, mas entrou na fila de quem tenta garantir privilégio e imunidade (com pê no meio) com a aplicação da regra do “quem pode mais chora menos” em terra de Cabral e Cunha. Repete a lição que o próprio Lula lhe deu quando tentou retirar o ex-inimigo e agora aliadíssim­o Sarney da vala dos cidadãos ordinários sem mandatos nem cargos comissiona­dos. Valha-nos Deus!

Não se engane com lorotas de cúmplices e falsos oponentes. O pretexto mais fascistoid­e desta pátria de desigualda­des, “eleição sem Lula é fraude”, que pelo menos é sincero e apaixonado, é irmão siamês dessa canalhice do “prefiro derrotar Lula nas urnas”. Está aí o lema que melhor define e mais confirma que, na verdade, está é a República dos canalhas.

Não está em jogo a coerência de Lula, mas a existência de exceções ao direito à igualdade

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