O Estado de S. Paulo

Por mais áreas oceânicas totalmente protegidas

- JOÃO LARA MESQUITA E JOSÉ TRUDA PALAZZO JR. JORNALISTA, EDITOR DO SITE WWW.MARSEMFIM.COM.BR E CONSULTOR AMBIENTAL; E VICE-PRESIDENTE DO INSTITUTO AUGUSTO CARNEIRO

Dotado de uma invejável extensão territoria­l, o Brasil frequentem­ente esquece que os seus domínios são ainda maiores graças à projeção de nossos cerca de 8 mil quilômetro­s de litoral e ilhas ao largo, numa imensa jurisdição marítima que agrega ao patrimônio– eà responsabi­lidade – de todos os brasileiro­s mais de 3,6 milhões de quilômetro­s quadrados de águas ainda ricas em vida, cerca de 40% de nosso território. É oque os militares batizaram de “Amazônia Azul”, em analogia aos recursos daquela região terrestre, e sua equivalênc­ia coma área marítima.

Até recentemen­te esse patrimônio natural era severament­e negligenci­ado em sua gestão e conservaçã­o. Menos de 1,5% do mar brasileiro foi protegido até hoje em Unidades de Conservaçã­o. Tal fato cria embaraços internacio­nais ao País, ao mesmo tempo que permite que a pesca predatória provoque um colapso. Um dos maiores problemas dos oceanos, superando o aqueciment­o global,éa pesca predatória. Ela segue destruindo até abeirada extinção. Populações inteiras de espécies comercialm­ente valiosas e outras de enorme importânci­a para a saúde dos ambientes marinhos, caso dos tubarões, são perseguida­s até o extermínio.

Nosso destino está inexoravel­mente ligado ao mareà navegação, só os brasileiro­s não sabem. Sim, o Brasil deu as costas ao mar. Não conhece ou valoriza a saga que nos trouxe à luz, a epopeia náutica portuguesa; e não cultiva a história marítima. Entre outras, essas são razões que explicam nossas áreas oceânicas serem tão distantes do pensamento da população e dos governante­s. Elas estão ao deus-dará há décadas. Enquanto isso, seus tesouros ecológicos são saqueados, apesar do alerta de multidões de cientistas para a necessidad­e de preservaçã­o. Enquanto no mundo crescia a tomada de consciênci­a sobre a importânci­a de proteger avida marinha, coma criação de extensas áreas preservada­s, aqui as oportunida­des milionária­s de gerar emprego e renda com essa preservaçã­o, que vão da recomposiç­ão dos estoques pesqueiros à atração de ecoturismo de padrão internacio­nal, seguiram ignoradas.

A roda da História girou a favor do mar brasileiro quando o presidente Michel Temer acertou na escolha de dois ministros, o do Meio Ambiente, José Sarney Filho, e o da Defesa, Raul Jungmann, cujo trabalho conjunto está trazendo à luz a oportunida­de histórica de se protegerem algumas das áreas mais relevantes do mar brasileiro: os arquipélag­os oceânicos de São Pedro e São Paulo e Trindade e Martim Vaz. Não apenas essas ilhas isoladas abrigam no seu entorno conjuntos únicos de espécies de peixes e invertebra­dos raros, endêmicos e/ou ameaçados de extinção, mas ainda as águas que as circundam abrigam muitas espécies pelágicas, de mar aberto, que a sobrepesca não conseguiu extinguir (mas poderá fazê-lo em breve se a proteção não for concretiza­da).

Somadas, as áreas propostas para as novas Unidades de Conservaçã­o abrangerão cerca de 900 mil km2, fazendo nossa porcentage­m de mar sob gestão conservaci­onista saltar de 1,5% para quase 25%. Com isso o Brasil cumprirá à risca seus compromiss­os internacio­nais de gestão ambiental marinha, credencian­do-se a receber recursos internacio­nais vultosos para a sua gestão, cuja proteção, graças a esse entendimen­to entre ministério­s, terá a participaç­ão ativa e muito bem-vinda da Marinha do Brasil, essencial à garantia de que nossa soberania ambiental não será violada por frotas e interesses estrangeir­os.

O anúncio da abertura de consultas públicas para a criação dessas Áreas Marinhas Protegidas já vem atraindo enorme interesse internacio­nal, tanto da parte da mídia como do trade de turismo e de instituiçõ­es ligadas à conservaçã­o, oferecendo ao presidente Temer uma pequena amostra da repercussã­o positiva que a sua decretação e a implantaçã­o trarão, contribuin­do, num momento crítico da nossa História, para melhorar a imagem do Brasil no conjunto das nações que aprenderam a aliar desenvolvi­mento e conservaçã­o do patrimônio natural.

Um único reparo a esse histórico e bem-vindo processo: as áreas propostas para Proteção Integral, onde os usos predatório­s da vida marinha ficariam definitiva­mente vedados, não são extensas o suficiente para assegurar de fato a conservaçã­o dos valores ambientais ali existentes, em especial para afastar a sobrepesca, que tanto dano já causou a essas regiões. Por isso defendemos a ideia de que os ministros Sarney e Jungmann e o comandante da Marinha, almirante de esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, dono de extensa e bela folha de serviços prestados, encontrem um entendimen­to que permita levar em uníssono ao presidente a proposta de ampliar essas áreas totalmente protegidas em todo o entorno dos arquipélag­os e, principalm­ente, aumentando a extensão para proteção integral ao redor de São Pedro e São Paulo. Com isso, não apenas a biodiversi­dade única desses locais estará protegida, mas também estarão salvaguard­ados os valores ambientais capazes de atrair visitantes, pesquisado­res e investimen­tos para esses novos Monumentos Naturais em véspera de criação.

Como dissemos neste espaço há um par de meses, o presidente Michel Temer está às portas de inscrever seu nome na História Ambiental do Brasil e elevar nosso país no plano internacio­nal a uma posição de destaque nas temáticas marinhas, com reflexos favoráveis em ampla gama de foros. Ao mesmo tempo que abre oportunida­des de captação de recursos e apoios para a gestão ambiental.

Tudo o que precisamos, agora, é coragem política para concretiza­r esse grande passo. A hora de fazê-lo é agora. Chegou a hora do mar – do Mar do Brasil.

O presidente Michel Temer acertou: é hora da defesa do nosso mar

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