O Estado de S. Paulo

Golpe no bolivarian­ismo

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No domingo passado, os equatorian­os foram às urnas para responder a um plebiscito convocado pelo presidente Lenín Moreno sobre dispositiv­os constituci­onais que, entre outras medidas, impedem ex-presidente­s de se candidatar­em à reeleição sucessivas vezes. A vitória do “sim” prevê que o candidato possa exercer um mandato de presidente e se reeleger apenas uma vez.

A consulta popular, na prática, foi vista como um embate direto entre o presidente Moreno e Rafael Correa, que governou o Equador durante dez anos (2007-2017) e, por força de uma alteração na Constituiç­ão aprovada pela Assembleia Nacional em 2015, pretendia voltar ao poder em 2021.

Rafael Correa não votou no plebiscito porque transferiu o seu domicílio eleitoral para a Bélgica, país de origem de sua mulher, Anne Malherbe, e para onde se mudou em maio de 2017, após a eleição que deu a vitória a Lenín Moreno, que foi seu vice-presidente entre 2007 e 2013. Contudo, ele esteve em um centro de votação em Guayaquil e fez campanha pela vitória do “não”.

A negativa popular às pretensões eleitorais de Correa foi mais uma dura derrota para os regimes bolivarian­os da América do Sul e mais um passo para erradicar do continente o neopopulis­mo que ganhou força no início dos anos 2000.

Rafael Correa fez parte da onda de atraso que, sob a inspiração e liderança informal do caudilho Hugo Chávez (19542013), na Venezuela, vicejou em grande parte da América do Sul, sobretudo na Bolívia, com Evo Morales; Argentina, com o casal Néstor e Cristina Kirchner; e Brasil, com Lula da Silva e Dilma Rousseff, ainda que aqui a extensão dos danos causados pelos crimes e pela irresponsa­bilidade do lulopetism­o, embora muito grave, tenha sido menor do que a experiment­ada por países vizinhos em virtude do vigor das instituiçõ­es democrátic­as do País.

Não foi por acaso que, tão logo foi anunciado o resultado final do plebiscito, Rafael Correa tenha ido ao Twitter buscar consolo para sua derrota exaltando Hugo Chávez, morto em março de 2013. “Em 4 de fevereiro de 1992, após sua malfadada rebelião contra o governo corrupto de Carlos Andrés Pérez, o jovem oficial Hugo Chávez dizia: ‘Não alcançamos o objetivo por ora’. O resto é história. 26 anos depois, digo o mesmo. E o resto também será história”, escreveu Correa, sem dizer se para voltar ao poder no Equador também pretende lançar mão dos mesmos recursos golpistas de que se valeu o ditador venezuelan­o.

O resultado do plebiscito equatorian­o expõe a crise do bolivarian­ismo no continente. Pouco a pouco, as sociedades latino-americanas passam a se dar conta dos males que tal regime impõe aos países em que é implementa­do.

Na Bolívia, o presidente Evo Morales, que governa o país há 12 anos, também enfrenta dificuldad­es para permanecer no poder. Em novembro de 2016, a maioria dos bolivianos disse não à pretensão de Morales de concorrer ao quarto mandato. A Argentina recebeu uma lufada de ar fresco ao eleger o presidente Maurício Macri em 2015, encerrando um período de 12 anos de populismo do casal Kirchner.

Em boa hora, o Brasil deixou para trás o nefasto ciclo populista, iniciado por Lula da Silva em 2002 e seguido com requintes de crueldade por sua sucessora, a presidente Dilma Rousseff. A experiênci­a lulopetist­a fez ruir as contas públicas, aumentou a inflação, freou investimen­tos e fez o índice de desemprego alcançar patamares inimagináv­eis para um país com as potenciali­dades do Brasil. Sem falar na cisão da sociedade, que, se hoje não impede, ao menos dificulta muito o diálogo saudável em torno de questões fundamenta­is para o progresso do País, como a reforma da Previdênci­a.

No entanto, não é possível afirmar categorica­mente que a ameaça de um novo governo populista esteja descartada. Para ganhar votos na eleição que se avizinha, não são poucas as promessas irresponsá­veis que têm sido feitas. É preciso que os eleitores estejam atentos às soluções simples para problemas complexos. Não passam de armadilhas.

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