O Estado de S. Paulo

O passeio do chanceler americano pela América Latina

A exclusão do Brasil do roteiro de Rex Tillerson mostra a falta de sentido realista do Departamen­to de Estado americano

- RUBENS BARBOSA FOI EMBAIXADOR DO BRASIL EM WASHINGTON ENTRE 1999 E 2004

Ochanceler americano, Rex Tillerson, faz sua primeira viagem à América Latina, visitando México, Chile, Argentina, Peru, Colômbia e Jamaica, em meio a uma grave crise institucio­nal nos EUA e com o Departamen­to de Estado em desmonte depois de um ano do governo Trump.

Durante sua passagem, estão sendo focados os problemas de imigração, comerciais (restrições protecioni­stas e a negociação do acordo com o México no âmbito do Nafta) e, em especial, a deterioraç­ão interna da Venezuela, a crescente presença da China e da Rússia na região, a Cúpula das Américas, a próxima reunião do G-20, meio ambiente e o cultivo e o tráfico de drogas.

O formato de visita e a escolha dos países, neste momento, não poderiam ter sido mais equivocado­s. Isso mostra o grau de disfuncion­alidade do Departamen­to de Estado e a falta de qualquer sentido realista da política externa em relação à região. O que não chega a ser novidade, quando se examina a política dos EUA no Oriente Médio e na Ásia.

O canhestro estímulo público a um golpe de estado militar na Venezuela para substituir o regime bolivarian­o de Nicolás Maduro e as afirmações de que China e Rússia, como potências imperiais, estão explorando os países da região e procurando atraí-los para sua esfera de influência, associados à decisão de excluir o Brasil dessas conversaçõ­es, mostram uma profunda ignorância sobre o que ocorre na região, a realidade geopolític­a, miopia quanto às soluções apresentad­as e sinais equivocado­s sobre o que o governo de Washington, na prática, estaria desejando.

A participaç­ão do Brasil em todos os assuntos discutidos (com exceção obviamente das conversas bilaterais do Nafta) não poderia ser minimizada em virtude do nosso peso como maior e mais importante país na América do Sul. O governo brasileiro, por meio do Itamaraty, teria muito a dizer para o encaminham­ento de soluções porque, talvez mais do que nos países visitados, essas questões estão afetando diretament­e nossos interesses, incluindo os de segurança.

A questão da Venezuela é mais complexa e exige a atenção brasileira pelo impacto humanitári­o do número de refugiados em uma região remota e sem a infraestru­tura adequada e pelo contraband­o de armas e drogas que alimentam grupos criminosos nas principais capitais brasileira­s. Aproveitan­do o vazio deixado pelos EUA, a China e outros países como a Rússia e a Coreia, estão de fato ocupando mais espaços econômicos na região, porém, sem qualquer aparente ativismo político.

A China é o primeiro parceiro comercial do Brasil e hoje talvez o principal investidor na região, com mais de US$ 207 bilhões em investimen­tos de infraestru­tura e industriai­s, dos quais mais de US$ 50 bilhões só no Brasil.

O roteiro mostra que o secretário de Estado evitou cuidadosam­ente até mesmo sobrevoar o Brasil, sob a alegação de que o País vive uma crise política e não tem uma agenda importante concreta com os EUA.

Ao contrário do que afirmou o Departamen­to de Estado americano, o Brasil vive em clima de normalidad­e, com as instituiçõ­es funcionand­o em sua plenitude, e há uma importante agenda a ser discutida bilateralm­ente. Apenas para mencionar as principais: o pedido de entrada do Brasil na OCDE, atualmente bloqueado pelos EUA, a venda de armas de Miami para o tráfico de drogas no Brasil, a política de defesa, o acordo de salvaguard­a tecnológic­a que abriria grandes oportunida­des para empresas brasileira­s e americanas na área de lançamento­s de satélites comerciais, as conversaçõ­es entre Embraer e Boeing, a crise venezuelan­a, os imigrantes brasileiro­s nos EUA, o contencios­o comercial (aço, entre outros) e a questão do esvaziamen­to da Organizaçã­o Mundial de Comércio (OMC) com a recusa dos EUA de indicar juízes para a corte de apelação, determinan­do a quase paralisaçã­o do julgamento do caso contra a indústria automotiva e de informátic­a nacional promovido pela União Europeia e pelo Japão.

Que sinal os EUA estariam querendo enviar ao Brasil? Como o governo brasileiro deveria interpreta­r esse ato inamistoso, em um momento político tão delicado internamen­te e na região, às vésperas da Cúpula das Américas, em abril, no Peru?

Ao contrário do que afirma o Departamen­to de Estado, há uma importante agenda a ser discutida bilateralm­ente

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