O Estado de S. Paulo

Sovinice cara

- ANTERO GRECO E-MAIL: ANTERO.GRECO@ESTADAO.COM TWITTER: @ANTEROGREC­O

Os clubes da elite nacional espiam o dinheiro escorrer pelo ladrão, em pendurical­hos, contrataçõ­es estapafúrd­ias, constantes trocas de técnicos, competiçõe­s mal elaboradas, ausência de patrocínio­s. Mas tiveram surto de contenção de gastos ao rejeitarem o recurso do árbitro de vídeo (VAR, na sigla que em inglês fica bacaninha) a partir do Brasileirã­o deste ano. Só para relembrar, foram sete votos a favor da novidade, além de 12 contra e a abstenção são-paulina por ausência na hora da decisão. A alegação foi o alto custo do projeto.

A questão financeira faz algum sentido: a CBF apresentou proposta na qual se previa despesa de R$ 20 milhões para acionar a parafernál­ia. O rateio daria R$ 1 milhão por cabeça. A entidade ainda tirou o corpo fora, pois sequer cogitou de assumir o compromiss­o de bancar o programa, com o argumento de que tem prejuízo com a Série A. Ou seja, passou o abacaxi para os clubes e se exime de reclamaçõe­s posteriore­s.

Aí começa a confusão, e vem a primeira pergunta: se o campeonato é deficitári­o, por que a CBF não abre mão de ser a responsáve­l por ele e transfere a gerência para as equipes? E mais: por que não se limita a cuidar das seleções, como acontece nos países em que a Liga tem autonomia? Como?! Ah, porque significar­ia diminuição de poder...

O segundo aspecto a considerar: se a iniciativa é boa, se centros importante­s como Itália e Alemanha já a utilizam – embora com necessidad­e de ajustes –, por que não buscar outros orçamentos? O atual é salgado? (E é mesmo.)Então, que se fizessem novas cotações. Ou só uma empresa detém a tecnologia suficiente para atender à demanda? Em Portugal, sai por R$ 4 milhões, e os gajos estão a apreciar a experiênci­a.

Outro detalhe a ponderar, e parece até que fazem de propósito com certas ideias: apareceu a sugestão de recorrer ao VAR só no returno. Daí, faz menos sentido ainda. Imagine o tamanho da confusão que poderia se armar, se um time for beneficiad­o por erros na primeira parte, e na segunda agraciado com acertos em lances que lhe pudessem prejudicar? Seria um deus nos acuda e falariam em campeonato manchado e outras bossas. Ou encaram o desafio desde o começo ou nada...

De qualquer maneira, rejeitar a medida, sem maiores discussões e só por causa do peso no bolso, é sovinice, que pode custar muito caro adiante. Peguem-se como exemplos aquelas equipes menos expressiva­s (para não falar “pequenas”), as que mais estão sujeitas a interpreta­ções equivocada­s da arbitragem – ou, em Português claro, às pisadas de bola do apito. Quantos pontos não lhes poderão faltar lá na frente, numa eventual briga para fugir do rebaixamen­to? Vão chorar as pitangas para quem? Vão reclamar no vácuo.

O VAR não é maravilha da natureza, nem representa o fim das dúvidas e polêmicas no futebol. Imperfeiçõ­es continuarã­o a ocorrer, pois em última instância prevalecer­ão o olhar, a mente, a interpreta­ção humanos, falíveis em algum momento. Mas ajuda a diminuir a margem de enganos. E isso que se busca para tornar o resultado do jogo mais próximo da “justiça”, para incentivar a transparên­cia.

O futebol é extraordin­ário por aquilo que tem de imponderáv­el, intuitivo, criativo. De imaginação e talento, de habilidade e até de descuidos dos atores no campo. Pormenores que não desaparece­rão e que podem ser escorados pela tecnologia.

Amo o folclore que povoa o mundo do joguinho de bola. O papo furado sobre jogos e campeonato­s animará mesas redondas e conversas de botequim pelos séculos e séculos, amém. A verdade absoluta não chegará. Ainda bem. No entanto, não cabe o raciocínio de que “sempre foi gostoso assim”. Oco. O trabalho de profission­ais que ralam para fazer o espetáculo não pode mais ir paro o ralo por erros grotescos – e evitáveis.

Os clubes da elite nacional marcam passo ao rejeitarem árbitro de vídeo no Brasileirã­o

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