A fantasia de ‘Paddington 2’ como reflexo da Inglaterra
O segundo filme da série de Paul King não só é melhor como autoriza um olhar mais complexo que a aventura anterior
É a pergunta que muita gente deve estar-se fazendo – qual a necessidade de uma continuação para As Aventuras de Paddington? Acredite – quem a faz (essa pergunta) é porque ainda não viu o segundo filme da série de Paul King com o mais cativante urso do cinema da atualidade. O primeiro filme possuía um encanto que seduziu o público. Foi um êxito planetário. O segundo poderia diluir o efeito, mas o aprimora. É ainda melhor, até como desafio tecnológico. Com mais dinheiro, o CGI permite elaborar mais a interação entre animação e live action. Com uma direção de arte mais sofisticada, Paddington 2 possui um encanto à Wes Anderson.
Bom, bom, mas convém não exagerar, como fez o crítico de
The New Yorker, juntando as cenas de tribunal dos dois filmes para avaliar, de uma só tacada,
Paddington 2 e o candidato libanês ao Oscar de filme estrangeiro, O Insulto, de Ziad Doueiri. Vamos por partes. No segundo volume das aventuras de Paddington, o urso peruano segue adotado pelo casal Brown (Hugh Bonneville e Sally Hawkins, indicada para o Oscar de melhor atriz por
A Forma da Água). Paddington, você deve se lembrar, aprendeu com sua tia Lucy que o segredo para um mundo melhor é ser dedicado e atencioso, tudo o que as pessoas, no competitivo e pragmático mundo global, tendem a não ser. Titia está para completar 100 anos e ‘Pad’ resolve presenteá-la com um livro raro com paisagens de Londres.
Para conseguir o dinheiro, trabalha dobrado – como limpador de vidraças. O problema é o vilão da história, que quer o mesmo livro, convencido de que, no quebra-cabeças de suas imagens, está escondido um mapa ao tesouro. Phoenix Buchanan é o cão – um ator decadente que distribui pela casa fotos de seus áureos tempos, nas quais se mira constantemente. Quem faz o papel, e muito bem, é Hugh Grant, investindo numa linha autoparódica que rende momentos deliciosos, até porque Phoenix se vale de múltiplos disfarces na corrida para incriminar o urso – freira, cavaleiro armado, etc. A trama se desenvolve assim em boa parte no tribunal – Paddington, um amor de urso, Phoenix, um monstro (e a faxineira, que não confia em atores, diz que eles são capazes de tudo para chamar a atenção), os Brown, que correm para provar sua inocência.
OK, não parece certo equiparar o tribunal de O Insulto com o de Paddington 2, a crise sempre real do Oriente Médio com a fantasia sobre um urso amoroso, mas talvez seja interessante tergiversar sobre dois inesperados sucessos de público do cinema inglês recente. Kingsman – Serviço Secreto, a série de Matthew Vaughn com Colin Firth e o novato Taron Egerton, mostra o aprendizado do segundo no violento mundo da espionagem, onde só os mais duros ficarão de pé, no final. Paddington 2 vai por outra via, investindo nos bons sentimentos. Pode ser mera coincidência, mas os dois filmes podem estar muito bem sinalizando as divisões da GrãBretanha na era Brexit.
Compare com O Profeta, de Jacques Audiard. Nada a ver. No universo da cadeia, Paddington não precisa bajular, como Tahar Rahim, à espera do momento certo para revidar. Ele é só amor, e dessa maneira consegue conquistar o afeto até do cozinheiro de maus bofes, Brendan Gleeson. O que seria o problema do filme – o excesso de açúcar – é dosado pela direção inventiva, o roteiro esperto e a direção de arte brilhante. Um prazer à parte é o já assinalado número de Hugh Grant, incluindo sua participação ‘musical’ nos créditos finais. Misturando técnicas, até efeitos tridimensionais, Paddington 2 disputa o público familiar, não só as crianças, mano a mano com as animações do Oscar, Viva – A Vida É Uma Festa e O Touro Ferdinando.