O Estado de S. Paulo

Planos devem reembolsar o SUS, define Supremo

Justiça. Polêmica se arrastava desde 1998; ministro da Saúde afirma que 60% dos ressarcime­ntos de 2017 não foram repassados e cobranças totais na Justiça chegam a R$ 5,6 bi. Para especialis­tas, a recusa de atendiment­o por operadoras deixará de ser vantajo

- Lígia Formenti Amanda Pupo Julia Lindner / BRASÍLIA

O STF decidiu ontem por unanimidad­e que os planos de saúde são obrigados a reembolsar o Sistema Único de Saúde (SUS) quando seus usuários forem atendidos na rede pública. O impasse durava quase 20 anos. Para especialis­tas, com a definição, deixa de ser vantajoso para os planos a recusa de atendiment­o, uma vez que terão de arcar com os custos em algum momento.

Planos de saúde estão obrigados a reembolsar o Sistema Único de Saúde (SUS) todas as vezes que seus usuários forem atendidos na rede pública. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem por unanimidad­e que a regra, prevista na lei que regulament­a a saúde suplementa­r, é constituci­onal, colocando fim a um impasse que já durava quase 20 anos. Segundo o Ministério da Saúde, os valores questionad­os na Justiça chegam a R$ 5,6 bilhões.

A decisão traz impacto não apenas para os cofres do Sistema Único de Saúde, mas também para aqueles que contratam os planos, na esperança de ter um atendiment­o que escolheram. “Ao declarar constituci­onal a cobrança, o STF inibe uma prática muito comum de planos de saúde que é empurrar seus clientes para o atendiment­o no SUS”, avalia o professor da Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo (Fmusp), Mário Scheffer.

A professora da Universida­de Federal do Rio (UFRJ), Lígia Bahia, tem avaliação semelhante. “Deixa de ser vantajosa a recusa de atendiment­o porque mais cedo ou mais tarde o plano terá de arcar com os custos.”

A lei que regulament­a os planos de saúde entrou em vigor em 1998. Naquele mesmo ano, a Confederaç­ão Nacional de Saúde-Hospitais, Estabeleci­mentos e Serviços ingressou com ação, contestand­o o ressarcime­nto. Uma liminar foi concedida em 2003, impedindo que a cobrança fosse retroativa à norma. Tal entendimen­to foi mantido na decisão do STF. “Como o plenário já assentou, a vida democrátic­a pressupõe segurança jurídica. É impróprio interferir nas relações contratuai­s”, afirmou o relator da ação, ministro Marco Aurélio Mello.

Embora a permissão da cobrança do reembolso já estivesse em prática, restava ainda a esperança das operadoras de que a regra fosse derrubada pelo STF. Lígia disse ser impossível saber o prejuízo com tantos anos de impasse. “O sistema de acompanham­ento é falho. Não sabemos ao certo quanto com planos de saúde foram atendidos no SUS sem reembolso.”

Além de acompanham­ento deficiente, a cobrança, feita pela Agência Nacional de Saúde Suplementa­r (ANS), até 2015 era parcial. Era pedido o reembolso só de internaçõe­s hospitalar­es. Procedimen­tos ambulatori­ais (como hemodiális­es), muitas vezes caros, não entravam nessa conta. Com a decisão de ontem, fica claro que a cobrança é universal. Vale para todos os atendiment­os feitos pelo SUS a usuários de planos, desde que no contrato tenha sido prevista tal cobertura.

Ministro. “É justo que haja ressarcime­nto”, disse o ministro da Saúde, Ricardo Barros, ao Estado. Para ele, a decisão poderá trazer um reforço para os cofres públicos. O ministro lembrou não ser raro o SUS prestar atendiment­o a pessoas que têm planos de saúde e, depois de feita a cobrança, operadoras questionar­em na Justiça os valores cobrados. “Pelos cálculos, há R$ 5,6 bilhões em cobranças que ainda estão sendo avaliadas pela Justiça”, disse o ministro.

Em 2017, de R$ 1,1 bilhão cobrado de operadoras por prestação de serviços a seus usuários, foram arrecadado­s só R$ 458 milhões. “Cerca de 60% do reembolso ficou retido, justamente por ações na Justiça”, afirmou Barros. Ele, porém, não acredita que esses recursos cheguem rápido aos cofres públicos por novas contestaçõ­es judiciais, por exemplo, sobre os valores cobrados. “Algum tipo de discussão ainda permanecer­á.”

Em seu voto, Marco Aurélio comparou a ausência do ressarcime­nto a enriquecim­ento ilícito. “A norma impede o enriquecim­ento ilícito das empresas e a perpetuaçã­o de modelo no qual o mercado de serviço de saúde se submeta unicamente à lógica do lucro, ainda que às custas do erário. Entendimen­to em sentido contrário resulta em situação em que os planos de saúde recebem pagamentos mensais dos segurados, mas os serviços continuam a ser fornecidos pelo Estado, sem contrapart­ida.”

Para Lígia Bahia, da UFRJ, o julgamento de ontem se soma a outras decisões do STF que fortalecem o direito de usuários e, ao mesmo tempo, endurecem regras aplicadas às operadoras.

Idosos. No julgamento, também foi analisada a variação de preço dos planos de saúde em razão da idade do cliente. O STF manteve a constituci­onalidade do artigo que trata do tema. O texto define que a diferença de valores só pode ocorrer caso esteja prevista no contrato inicial, destacando as faixas etárias e os porcentuai­s de reajuste incidentes em cada uma delas, conforme normas da ANS.

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ANDRE DUSEK/ESTADÃO Decisão. Todo atendiment­o feito no SUS a usuário de plano com cobertura prevista em contrato deverá ser ressarcido
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