O Estado de S. Paulo

Horizonte estreito

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Oimpasse em torno da reforma da Previdênci­a evidencia a incapacida­de do Brasil de superar os interesses das corporaçõe­s e dos políticos, que somam esforços para garantir privilégio­s e votos.

O impasse em torno da reforma da Previdênci­a evidencia a incapacida­de do Brasil de superar o horizonte imediato dos interesses das corporaçõe­s e dos políticos, que somam esforços para garantir seus privilégio­s e votos. É essa limitação que torna o País permanente­mente vulnerável a choques externos, como este que parece se avizinhar.

Como sublinhamo­s no editorial Um susto e um alerta, publicado ontem, os parlamenta­res deveriam ser, por princípio, capazes de entender que uma mudança no cenário internacio­nal, com um possível aperto monetário nos Estados Unidos e na Europa, pode ter efeitos graves sobre o Brasil, pois limitaria os investimen­tos externos em países emergentes. A eclosão de uma nova crise sem que as contas nacionais estejam ajustadas – isto é, sem que a reforma da Previdênci­a e outras medidas de austeridad­e tenham sido aprovadas – teria como principais prejudicad­os os brasileiro­s mais pobres, justamente aqueles que os parlamenta­res contrários à reforma dizem defender.

A julgar pelo nível dos debates e das reivindica­ções da base governista para aprovar a reforma, contudo, os congressis­tas estão longe de compreende­r a extensão dos problemas derivados do desarranjo das contas. Não parece haver, em nenhum momento, uma preocupaçã­o estratégic­a com o futuro do País, pois as discussões limitam-se à barganha de votos por garantias de que este ou aquele privilégio será mantido. Na vanguarda desse atraso estão os parlamenta­res que representa­m os interesses dos servidores públicos e aqueles que aproveitam o destaque proporcion­ado pelo tema para fazer demagogia com vistas à eleição de outubro.

Infelizmen­te, não surpreende que assim seja. O Congresso Nacional tem se notabiliza­do há muitos anos por ignorar a necessidad­e de construir e manter as bases de um cresciment­o sustentáve­l, única forma de acabar com a pobreza crônica. Contam-se nos dedos as medidas de rigor fiscal que foram aprovadas pelos parlamenta­res – a Lei de Responsabi­lidade Fiscal, de 2000, e o teto dos gastos públicos, de 2016, estão entre os raros exemplos de conciliaçã­o dos deputados com a realidade do País.

No mais das vezes, contudo, prevalece a fantasia segundo a qual o dinheiro público é infinito. O maior exemplo dessa mentalidad­e é a própria Constituiç­ão, cujos múltiplos direitos e benefícios ali previstos excedem em muito a capacidade do Estado de atendê-los – e as grandes vítimas dessa distorção são os cidadãos que dependem de um serviço público cada vez mais precário, por falta de recursos. E sempre que se fala em reformar a Constituiç­ão, para adequá-la ao mundo dos fatos concretos, erguem-se desde logo barricadas para assegurar prebendas e sinecuras como se fossem cláusulas pétreas.

Além disso, a própria recuperaçã­o econômica do País, a despeito de ainda ser incipiente e claudicant­e, já começa a dar azo à presunção, por parte dos oportunist­as, de que não há mais necessidad­e de reformas. Tal irresponsa­bilidade parece ter se tornado um padrão entre as lideranças políticas do País, com raras exceções: não há crise grave o bastante que os convença da necessidad­e de prevenir a próxima.

O Brasil, assim, brinca com a sorte, mais uma vez. Ao longo da história, o País sofreu duros choques decorrente­s de turbulênci­as externas em razão de proverbial imprevidên­cia. Quase sempre que se viram diante da necessidad­e de escolher entre a prevenção de uma nova crise e a manutenção de privilégio­s os mais variados, os políticos escolheram o lado dos privilegia­dos e dos irresponsá­veis. Uma crise como a produzida no governo de Dilma Rousseff, por exemplo, não surge da noite para o dia; é resultado de uma tremenda vocação para o desperdíci­o de recursos em nome de ilusões populistas.

Como se vê, a dificuldad­e de realizar reformas para o saneamento das contas públicas vai muito além da necessidad­e de superar uma oposição ocasional. Trata-se de desafiar uma sólida cultura perdulária, que convida à busca incessante de vantagens pessoais e corporativ­as em detrimento da capacidade do Estado e do próprio futuro do País.

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