O Estado de S. Paulo

Merkel faz concessão radical à centro-esquerda

Novo governo. Chanceler fica próxima de confirmar quarto mandato na Alemanha, mas acordo fechado após maratona de negociaçõe­s ainda precisa ser aprovado por 400 mil militantes do SPD; extrema direita vira maior partido de oposição no Parlamento

- Andrei Netto CORRESPOND­ENTE / PARIS

O “dogma da austeridad­e”, que durou uma década, chegou ontem ao fim na Alemanha. Quem decretou a mudança foram os líderes do Partido Social-Democrata (SPD), que exigiram da chanceler Angela Merkel, no poder há três mandatos, uma mudança radical em sua política econômica para aceitar um novo acordo de coalizão. A aliança deve permitir a Merkel governar pelos próximos quatro anos.

A expressão “fim do dogma da austeridad­e” foi usada pelo líder do SPD e ex-rival de Merkel, Martin Schulz, que será nomeado para o Ministério das Relações Exteriores. Francófilo alinhado com o presidente da França, Emmanuel Macron, ele será o responsáve­l por negociar as reformas da União Europeia.

No terceiro posto mais importante do governo, um outro expoente social-democrata: o prefeito de Hamburgo, Olaf Scholz, deverá assumir o Ministério das Finanças, um postochave para negociar a maior integração econômica dos 19 países da zona do euro.

O órgão esteve durante os três primeiros mandatos de Merkel sob o comando de Wolfgang Schäuble, conservado­r líder da União Social-Cristã (CSU), da Baviera. No auge da crise da Grécia, que ameaçou a estabilida­de da UE, Schäuble era chamado de “sr. Austeridad­e” e defendeu a exclusão grega da zona do euro.

Merkel, Schultz e Scholz serão os três principais nomes de um quarto governo da chanceler marcado pela forte presença do SPD. Eles serão sete no total – incluindo as pastas da Justiça, Trabalho e Meio Ambiente –, mais do que os cinco da União Democrata-Cristã (CDU), partido de Merkel, e do que os três da CSU. Mas, juntos, CDU e CSU terão o maior número de altos postos, incluindo Interior, Defesa, Saúde e Educação.

As duras condições do acordo para que Merkel seguisse à frente do governo haviam sido antecipada­s pela própria chanceler na segunda-feira. Em entrevista à revista Der Spiegel, ela se referiu às negociaçõe­s como “concessões dolorosas” para formar o novo governo.

Schulz, por sua vez, preveniu que uma mudança de rumos nas políticas econômica e europeia seriam pré-requisito para qualquer entendimen­to. “Será um acordo muito importante para a Europa, algo determinan­te que pode criar novos investimen­tos, incluindo um fundo para a zona do euro e o fim do ‘dogma da austeridad­e’”, afirmou.

Depois de uma maratona de negociaçõe­s que invadiu a madrugada de ontem, o acordo foi oficializa­do pela manhã, aproximand­o Merkel do objetivo de manter as rédeas do poder.

Ela teve de recorrer ao SPD depois que fracassou na tentativa de coalizão com o Partido Liberal-Democrata (FDP) e com o Partido Verde. O texto do acordo de ontem, de 177 páginas, começa pelo capítulo de reformas da UE, refletindo a prioridade de Schulz. Entre as propostas está a criação de um orçamento de investimen­tos da zona do euro. A ideia, que é de Macron, envolve a criação do cargo de ministro europeu de Finanças, que gerenciari­a esse investimen­to.

Mas o acordo ainda precisa ser referendad­o pelos 463 mil militantes do SPD, a última etapa do processo. Nessa votação, ainda sem data, a aliança enfrentará a resistênci­a dos Jovens Socialista­s, que lançaram uma campanha contra a coalizão.

No Parlamento, o acordo foi bombardead­o pelo partido de extrema-direita, Alternativ­a para a Alemanha (AfD), agora o maior da oposição, que acusou Schultz de querer instalar na UE um sistema de transferên­cia de recursos de países ricos para nações em desenvolvi­mento.

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HANNIBAL HANSCHKE/REUTERS Aliança. Merkel e Schulz (D): parceiros
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