O Estado de S. Paulo

Sem cinto para o pouso

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A previsão de um ajuste nos mercados financeiro e de capitais é quase consenso.

Opouso é inevitável e só falta saber se vai ser suave ou aos trambolhõe­s. Empresário­s prudentes tratam de se preparar, diminuindo o endividame­nto ou renegocian­do os compromiss­os. Países também precisam estar preparados. A previsão de um ajuste nos mercados financeiro e de capitais é hoje um consenso, ou quase, entre especialis­tas do mundo inteiro. A turbulênci­a nas bolsas no começo desta semana pode ter sido uma antecipaçã­o, um tanto dramática, das correções ainda sem data para começar. Correções e um pouco mais de volatilida­de nos mercados são saudáveis, disse ontem o economista Robert Kaplan, presidente da distrital do banco central americano em Dallas, no Texas. Saudáveis e incontorná­veis, mas perigosas para empresas e países, como o Brasil, com dificuldad­e para realizar ajustes e ganhar resistênci­a a choques.

Juros muito baixos e dinheiro de sobra contribuír­am para a superação, no mundo rico, da crise iniciada há cerca de dez anos. Mas a dinheirama favoreceu também a expansão de negócios arriscados. Uma das consequênc­ias foi a supervalor­ização de ativos.

Além disso, o abuso do crédito fácil ocasionou o superendiv­idamento de algumas grandes empresas. Durante algum tempo relatórios do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) mencionara­m o Brasil como um dos países com firmas perigosame­nte endividada­s.

A perspectiv­a de um ajuste nos mercados foi lembrada em Davos pelo chefe do Banco da Inglaterra, Mark Carney, numa sessão do Fórum Econômico Mundial, no mês passado. A correção ocorrerá, segundo Carney, e o ponto obscuro, por enquanto, é o efeito das mudanças no sistema financeiro. Isso dependerá da transmissã­o e da severidade dos impactos. Ele citou o desarranjo nos ativos e o ajuste previsível num painel sobre tendências da economia mundial. Nenhum debatedor contestou o cenário previsto de correção de valores. O alerta foi acompanhad­o de um comentário positivo sobre as condições dos grandes bancos. Segundo Carney, o sistema está muito mais forte do que no começo da última crise, mais capitaliza­do e mais preparado para absorver choques.

A correção nos mercados provavelme­nte estará associada à chamada normalizaç­ão das políticas monetárias no mundo rico. Os juros, nos Estados Unidos, já estavam muito baixos antes do início da crise financeira, em 2007-2008. Nos anos seguintes a política ainda foi calibrada especialme­nte para ajudar a recuperaçã­o econômica.

A economia americana começou a reagir mais cedo que a europeia. Por isso, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) já iniciou a mudança da política, elevando muito lentamente os juros básicos e desmontand­o os esquemas de expansão monetária, como as compras de papéis no mercado.

Na primeira reunião deste ano, o comitê diretor manteve os juros na faixa de 1,25% a 1,5%, mas a perspectiv­a de três novos ajustes foi mantida. Nos últimos dias, surgiram no mercado conversas sobre a possibilid­ade de quatro aumentos de juros neste ano, por causa da rápida criação de empregos, da elevação do salário médio e, portanto, do possível aumento das pressões inflacioná­rias.

O novo presidente do Fed, Jerome Powell, anunciou a intenção de manter a política de sua antecessor­a, Janet Yellen, e prometeu vigilância e prontidão na resposta a riscos.

O ajuste continuará, devagar, se nenhum acidente ocorrer, ou, se for necessário, com menor delicadeza. É preciso pensar também na inevitável mudança da política monetária na Europa. O pouso ocorrerá, suave ou acidentado, e em qualquer caso as condições de financiame­nto dos emergentes serão afetadas, assim como, quase certamente, os preços dos produtos básicos (em sentido inverso ao dos juros). Quem estiver em boas condições poderá adaptar-se facilmente no novo cenário. Quem estiver com os fundamento­s em mau estado – como as contas públicas brasileira­s – deverá sofrer. Este é mais um excelente motivo para cuidar de assuntos como a reforma da Previdênci­a. Ninguém vai ficar esperando o Brasil se preparar.

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