O Estado de S. Paulo

Recibos de Lula não são ‘materialme­nte falsos’, afirma Moro

Juiz diz, porém, que vai decidir se comprovant­es são ‘ideologica­mente falsos’; petista é acusado na ação de receber propinas da Odebrecht

- Luiz Vassallo Julia Affonso Ricardo Brandt

O juiz federal Sérgio Moro decidiu que os recibos entregues pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para comprovar o aluguel de apartament­o vizinho ao seu em São Bernardo do Campo não são materialme­nte falsos. Moro, no entanto, afirmou que só vai avaliar se os comprovant­es são ideologica­mente falsos na sentença da ação penal em que o ex-presidente é réu por supostas propinas da Odebrecht envolvendo o imóvel no ABC paulista.

Segundo Moro, “no falso material, a falsidade é objetiva, como uma assinatura falsificad­a ou um trecho inserido ou suprimido fraudulent­amente de um documento”, o que pode ser provado por meio de perícia. Já no caso de falsidade ideológica, afirmou, “o documento é materialme­nte verdadeiro, mas o (conteúdo) nele contido não correspond­e à realidade”. “O falso ideológico não é aferível através de prova técnica, pericial.”

O ex-presidente apresentou recibos de pagamento do aluguel do apartament­o. Dois comprovant­es, porém, têm datas que não existem no calendário e parte dos documentos contém os mesmos erros de ortografia. Por causa disso, foi aberta investigaç­ão. Em alegações finais a Moro, a força-tarefa da Lava Jato pediu que o magistrado reconheça que os recibos são ideologica­mente falsos.

O juiz, no entanto, afirmou que, se julgasse a falsidade ideológica dos documentos, estaria avançando no mérito da ação penal, em que decidirá se Lula recebeu ou não propina da Odebrecht e se pagou ou não pelo imóvel. Isso, disse, significar­ia “violação do contraditó­rio”.

“É inviável resolver essas questões sem aprofundar na valoração de provas e na apreciação do mérito da ação penal e isso só é possível fazer na sentença da própria ação penal, após a finalizaçã­o da instrução dela, inclusive com as alegações finais das partes”, disse Moro.

Para o juiz, nesse caso, “a prova pericial mostra-se inútil”. “No máximo, ela poderia confirmar que parte dos recibos foi assinada extemporan­eamente, mas isso não levaria à conclusão necessária de que os aluguéis não foram pagos.”

Denúncia. O imóvel, vizinho à residência do ex-presidente, é apontado pela força-tarefa da Lava Jato como propina de R$ 504 mil da Odebrecht ao petista. Na mesma denúncia, Lula é acusado de receber outros R$ 12 milhões da empreiteir­a por meio de um terreno em São Paulo que seria destinado à instalação Instituto Lula.

O petista alugava o imóvel desde que chegou à Presidênci­a da República – o apartament­o era utilizado para abrigar os seguranças de Lula. Quando deixou o cargo, em 2011, continuou a ocupar o imóvel. Mas, segundo os procurador­es, o ex-presidente não pagou aluguel até 2015.

O Ministério Público Federal sustenta que o engenheiro Glaucos da Costamarqu­es, titular do imóvel, foi usado como “laranja” na transação supostamen­te custeada pela Odebrecht. O engenheiro, conforme a denúncia, comprou o imóvel em 2010 com dinheiro da empreiteir­a.

Em depoimento a Moro em setembro do ano passado, o expresiden­te afirmou que a ex-primeira-dama Marisa Letícia (que morreu em fevereiro de 2017) era a responsáve­l pelo pagamento do aluguel do apartament­o em São Bernardo.

O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, afirmou que a decisão de Moro “confirma o que sempre foi afirmado pela defesa”. “Os recibos foram emitidos e assinados pelo proprietár­io do imóvel alugado à dona Marisa Letícia, o senhor Glaucos da Costamarqu­es”, disse Zanin.

Segundo o advogado, “a improcedên­cia das alegações do Ministério Público também deve ser reconhecid­a em relação à própria ação penal”. “Costamarqu­es afirma que é o proprietár­io do apartament­o que foi alugado para dona Marisa e que o imóvel foi adquirido com recursos próprios, sem qualquer relação com a Petrobrás.”

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FELIPE RAU / ESTADÃO-24/10/2017 Decisão. É ‘inviável’ resolver questão de falsidade ideológica sem aprofundar provas, diz Moro
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Comprovant­e. Recibo entregue pelo ex-presidente Lula

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