Recibos de Lula não são ‘materialmente falsos’, afirma Moro
Juiz diz, porém, que vai decidir se comprovantes são ‘ideologicamente falsos’; petista é acusado na ação de receber propinas da Odebrecht
O juiz federal Sérgio Moro decidiu que os recibos entregues pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para comprovar o aluguel de apartamento vizinho ao seu em São Bernardo do Campo não são materialmente falsos. Moro, no entanto, afirmou que só vai avaliar se os comprovantes são ideologicamente falsos na sentença da ação penal em que o ex-presidente é réu por supostas propinas da Odebrecht envolvendo o imóvel no ABC paulista.
Segundo Moro, “no falso material, a falsidade é objetiva, como uma assinatura falsificada ou um trecho inserido ou suprimido fraudulentamente de um documento”, o que pode ser provado por meio de perícia. Já no caso de falsidade ideológica, afirmou, “o documento é materialmente verdadeiro, mas o (conteúdo) nele contido não corresponde à realidade”. “O falso ideológico não é aferível através de prova técnica, pericial.”
O ex-presidente apresentou recibos de pagamento do aluguel do apartamento. Dois comprovantes, porém, têm datas que não existem no calendário e parte dos documentos contém os mesmos erros de ortografia. Por causa disso, foi aberta investigação. Em alegações finais a Moro, a força-tarefa da Lava Jato pediu que o magistrado reconheça que os recibos são ideologicamente falsos.
O juiz, no entanto, afirmou que, se julgasse a falsidade ideológica dos documentos, estaria avançando no mérito da ação penal, em que decidirá se Lula recebeu ou não propina da Odebrecht e se pagou ou não pelo imóvel. Isso, disse, significaria “violação do contraditório”.
“É inviável resolver essas questões sem aprofundar na valoração de provas e na apreciação do mérito da ação penal e isso só é possível fazer na sentença da própria ação penal, após a finalização da instrução dela, inclusive com as alegações finais das partes”, disse Moro.
Para o juiz, nesse caso, “a prova pericial mostra-se inútil”. “No máximo, ela poderia confirmar que parte dos recibos foi assinada extemporaneamente, mas isso não levaria à conclusão necessária de que os aluguéis não foram pagos.”
Denúncia. O imóvel, vizinho à residência do ex-presidente, é apontado pela força-tarefa da Lava Jato como propina de R$ 504 mil da Odebrecht ao petista. Na mesma denúncia, Lula é acusado de receber outros R$ 12 milhões da empreiteira por meio de um terreno em São Paulo que seria destinado à instalação Instituto Lula.
O petista alugava o imóvel desde que chegou à Presidência da República – o apartamento era utilizado para abrigar os seguranças de Lula. Quando deixou o cargo, em 2011, continuou a ocupar o imóvel. Mas, segundo os procuradores, o ex-presidente não pagou aluguel até 2015.
O Ministério Público Federal sustenta que o engenheiro Glaucos da Costamarques, titular do imóvel, foi usado como “laranja” na transação supostamente custeada pela Odebrecht. O engenheiro, conforme a denúncia, comprou o imóvel em 2010 com dinheiro da empreiteira.
Em depoimento a Moro em setembro do ano passado, o expresidente afirmou que a ex-primeira-dama Marisa Letícia (que morreu em fevereiro de 2017) era a responsável pelo pagamento do aluguel do apartamento em São Bernardo.
O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, afirmou que a decisão de Moro “confirma o que sempre foi afirmado pela defesa”. “Os recibos foram emitidos e assinados pelo proprietário do imóvel alugado à dona Marisa Letícia, o senhor Glaucos da Costamarques”, disse Zanin.
Segundo o advogado, “a improcedência das alegações do Ministério Público também deve ser reconhecida em relação à própria ação penal”. “Costamarques afirma que é o proprietário do apartamento que foi alugado para dona Marisa e que o imóvel foi adquirido com recursos próprios, sem qualquer relação com a Petrobrás.”