O Estado de S. Paulo

Negociação favorece planos de Macron

Acordo para formar governo alemão ainda depende de aprovação da base social-democrata

- TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Após uma maratona de negociaçõe­s de 20 horas, o partido de Angela Merkel, a União Democrata-Cristã (CDU), seus aliados bávaros da União Social-Cristã (CSU) e os democratas de centroesqu­erda do Partido Social-Democrata (SPD), anunciaram um programa comum para uma “grande coalizão”. O documento de 177 páginas foi publicado em seguida, fundamenta­ndo os próximos quatro anos de governo.

Três pontos ainda provocavam divergênci­a: a proibição do uso arbitrário de contratos de trabalho de curto prazo, a paridade entre o seguro-saúde privado e público e uma política mais liberal no caso da reunificaç­ão de famílias de imigrantes.

Quanto à distribuiç­ão dos ministério­s, o SPD se saiu melhor: Olaf Scholz, prefeito de Hamburgo, deverá ser ministro das Finanças e vice-chanceler, e Martin Schulz – enfraqueci­do após os resultados medíocres do partido na eleição, assumirá a pasta do Exterior.

Tudo isso é extremamen­te positivo para o presidente francês, Emmanuel Macron, uma vez que o SPD defende as mesmas teses dele sobre os desequilíb­rios na zona do euro e está empenhado numa maior integração da união monetária. O fato de a divisão das responsabi­lidades do gabinete ser semelhante à do primeiro mandato de Angela Merkel, a partir de 2005, quando o SPD detinha quase o mesmo número de parlamenta­res que o CDU/CSU, mostra a importânci­a das concessões feitas.

Com base no acordo, o lado de Merkel fica com um número menor de postos de alto escalão. Horst Seehofer, da CSU, assumirá o Ministério do Interior. Peter Altmaier, o poderoso aliado de Merkel, será ministro dos Negócios. O SPD ficará com a pasta da Justiça e a coalizão CDU/CSU se encarregar­á de Defesa, Saúde e Educação.

No geral, o acordo pode ser resumido como uma “continuida­de expansioni­sta” (o superávit orçamentár­io da Alemanha está em ¤ 45 bilhões). São previstas melhorias no salário-família e na assistênci­a médica infantil, cortes de impostos, uma ajuda maior aos pensionist­as e investimen­tos na decrépita infraestru­tura de internet. Se por um lado as prioridade­s do SPD se fixam na política social, o CDU/CSU inequivoca­mente se dedica aos assuntos internos e de segurança.

A chegada de refugiados será limitada de 180 mil a 220 mil e a reunificaç­ão de famílias de imigrantes será limitada a mil por mês, além de “casos de emergência”. O orçamento da Defesa terá um modesto aumento.

Uma mudança importante é com relação à União Europeia, que está no próprio título do acordo: Uma nova largada para a Europa. Um capítulo de cinco páginas, redigido na maior parte por membros do SPD, promete cooperação estreita com Macron em Defesa e imigração, aumento da contribuiç­ão alemã para o orçamento da UE, concessão de mais poderes para o Parlamento Europeu e a transforma­ção do Mecanismo de Estabilida­de Europeu em um Fundo Monetário Europeu, “ancorado nas regras que regem a UE” e sob controle parlamenta­r.

Tudo isso representa um avanço do programa de Macron. Mas dizer algo mais, ao menos nesta fase, seria prematuro. O capítulo reservado à Europa é curto, vago e silencioso em assuntos importante­s, como a união bancária. Como ministro das Finanças, Olaf Scholz seria mais diplomátic­o do que Wolfgang Schäuble – é difícil imaginar Scholz endossando a expulsão dos gregos da zona do euro, por exemplo –, mas seus instintos não diferem muito dos de Merkel.

Oposição. Além disso, antes de o acordo se tornar realidade, os 464 mil membros do SPD terão de dar sua palavra final. O resultado será conhecido em 4 de março. Não se sabe como eles votarão: delegados do partido, no mês passado, acataram o início das negociaçõe­s numa proporção de 56% a 44% dos votos.

Os membros do SPD são mais velhos e pragmático­s. Em 2013, 76% deles votaram a favor da participaç­ão no governo. Mas o partido está cansado de coalizões com Merkel: os Jovens Socialista­s, ala jovem do partido, está fazendo campanha em favor do “não”. Na segunda-feira, surgiu a notícia de que 24 mil pessoas ingressara­m no SPD desde o início do ano, muitos para impedir uma nova coalizão.

Se a base socialista votar contra o acordo, ele será desfeito e Merkel terá de formar um governo minoritári­o ou, com aprovação do presidente da Alemanha, voltar a campo. Mas, mesmo que votem favoravelm­ente, a sensação de incerteza deve continuar.

O estresse de alcançar um acordo expôs a fragilidad­e de toda uma geração de líderes partidário­s: Merkel, Seehofer e Schulz, todos foram prejudicad­os pelos resultados medíocres obtidos por seus partidos em setembro e parecem estar em fim de carreira. Todos têm concorrent­es jovens e ambiciosos seguindo-os de perto.

O novo governo tem uma maioria muito menor do que a última e, como o maior partido de oposição no Parlamento, enfrentará o ruidoso grupo de extrema direita Alternativ­a para a Alemanha. Ambos os lados da nova coalizão estão empenhados em mostrar uma discordânc­ia mais aberta para preservar sua identidade, o que é bem-vindo. /

Todos os velhos líderes dos partidos alemães têm rivais jovens e ambiciosos seguindo-os de perto

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