O Estado de S. Paulo

Os alertas que vêmde dentro

- E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

Omercado financeiro global piscou, bastante. O receio de uma alta mais expressiva das taxas de juros nos EUA, por conta do vigor do mercado de trabalho e do início do mandato de Jerome Powell na presidênci­a do Fed, o banco central americano, fez as bolsas desabarem.

Os sinais do mercado não podem ser desprezado­s, mas seria precipitad­o tirar muitas conclusões sobre o ocorrido.

Apesar de os EUA estarem em uma fase mais avançada do ciclo econômico, com a taxa de desemprego próxima das mínimas históricas, as conclusões sobre o impacto disso na inflação e, portanto, na política monetária, não são diretas, nem óbvias. Pesquisas empíricas apontam baixa correlação entre a taxa de desemprego e a inflação nos EUA nas últimas décadas.

Haveria duas razões principais para isso. Primeiro, as relações de trabalho mais flexíveis em um mundo digitaliza­do e a redução da sindicaliz­ação nos EUA, que caiu pela metade nos últimos 30 anos. Esses fatores, principalm­ente o primeiro, podem estar contribuin­do para conter pressões salariais quando o mercado de trabalho fica mais apertado.

Segundo, em um mundo pós-industrial e globalizad­o, as taxas de inflação dos países com economia mais estável, grosso modo, caminham juntas. Assim, mesmo que ocorram ajustes salariais mais fortes nos EUA, não necessaria­mente eles serão inflacioná­rios. O ambiente competitiv­o, com fluxo de mercadoria­s e serviços entre os países, reduz o espaço para repasses de custos aos preços finais.

Por essas razões, a inflação nos EUA segue em boa medida o ciclo da inflação mundial. E, por ora, a inflação mundial está contida e estável, sem sofrer choques adversos que preocupem. É verdade que os preços de algumas commoditie­s, principalm­ente as metálicas, estão mais pressionad­os por conta da recuperaçã­o do comércio mundial, este muito associado a investimen­tos. Porém, o impacto sobre a inflação ao consumidor é limitado.

Os banqueiros centrais de países desenvolvi­dos devem estar torcendo para a inflação manter-se baixa. Afinal, depois de tanta inovação na política monetária por conta da crise global – juros em torno de zero e muita injeção de liquidez na economia –, a intenção é desmontar essas políticas lentamente, por temerem as consequênc­ias do desmonte.

A inflação global baixa permite uma postura cautelosa dos BCs. Por esse aspecto, não seria razoável esperar um tom muito conservado­r do novo presidente do Fed na sinalizaçã­o da política monetária.

É precipitad­o, portanto, tomar a volatilida­de recente do mercado financeiro global como um sinal mais preocupant­e do cenário internacio­nal, com algo que pudesse abortar o atual ímpeto de cresciment­o do PIB e do comércio mundial.

Discuti em agosto de 2017 que há uma “janela de oportunida­de” no cenário internacio­nal que contribui para um ambiente macroeconô­mico estável no Brasil, pois o ambiente externo não é inflacioná­rio – inflação mundial contida, reduzida volatilida­de nos mercados de moedas e baixa aversão a risco. Parece haver mais fôlego para essa janela.

Esse quadro, no entanto, não autoriza o Brasil a adiar reformas. Pelo contrário. Com ou sem alertas do exterior, governante­s, congressis­tas e gestores públicos precisam ouvir os vários alertas internos da crise fiscal. Estes são muitos tons acima dos alertas de fora.

As manifestaç­ões do colapso das contas públicas estão cada vez mais evidentes. Faltam recursos para serviços básicos.

No nível estadual, muitos governador­es podem ter cometido um erro de cálculo. Temendo as urnas, acharam que seria possível fazer a travessia para um próximo mandato sem ter de conduzir políticas amargas e tampouco apoiar a agenda de ajuste do governo federal. Agora correm o risco de uma maior degradação dos serviços públicos, o que poderá ser um fator de instabilid­ade social. Começou com Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, seguidos pelo Rio Grande do Norte. Outros estão na fila.

A inflação global baixa permite uma posição cautelosa dos BCs

ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

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