O Estado de S. Paulo

Muito choque na Previdênci­a

- RAUL VELLOSO CONSULTOR ECONÔMICO

Para quem não conhece esses números, é chocante constatar o brutal cresciment­o dos gastos com aposentado­rias e pensões dos regimes próprios dos servidores públicos nos últimos anos. Mesmo sem incluir os municípios, vi que os gastos totais com esse item, em apenas três anos, passaram de R$ 205 bilhões em 2014 para impression­antes R$ 284 bilhões no ano passado, muito acima do cresciment­o esperado para o déficit do INSS, se se considerar a arrecadaçã­o que ele obteria em anos normais.

Não é por outro motivo que o artigo 40 da Carta Magna manda constituir fundos de pensão para os regimes dos servidores e, ao final, equilibrá-los com contribuiç­ões de patrões e empregados. Já o artigo 249 autoriza o aporte de ativos, como ações de empresas, aos fundos para amenizar o ônus do excessivo reajuste esperado nessas contribuiç­ões em determinad­os casos.

No entanto, é também chocante constatar que até hoje nenhum ente público, especialme­nte a União, mesmo dispondo dos exemplos bem-sucedidos das grandes estatais federais, que fizeram o mesmo desde algum tempo, tenha implantado qualquer desses mecanismos, recusando-se, na prática, a atender à imposição constituci­onal. Limitam-se a divulgar anualmente estimativa­s precárias do rombo total de cada caso.

Nesse sentido, deveria ser superbemvi­nda a atual movimentaç­ão de governador­es junto ao presidente da Câmara para discutir os termos da implementa­ção desses fundos de pensão salvadores, no exato momento em que se constata, na reta final do processo, serem as chances de aprovar a atual reforma das regras previdenci­árias praticamen­te nulas, deixando o País no vácuo em relação às expectativ­as por medidas de ajuste do brutal déficit público. Em vez disso, foi chocante verificar, em primeiro lugar, a reação irada do relator da reforma na TV, que considerou indecente a mera divulgação de uma proposta visando, no mínimo, a tentar cumprir a Constituiç­ão, em complement­o a reformas de regras que os políticos se recusam a aprovar, temendo os impactos negativos em ano de eleição.

Conforme tenho explicado há mais de um ano em discussões públicas sobre o tema, a implementa­ção desses fundos tem vários efeitos colaterais desejáveis. Primeiro, porque permite chamar os “donos do Orçamento” às falas. Cunhei essa denominaçã­o aos segmentos que dispõem de fatias fixas e garantidas dos orçamentos e que, pela força de que dispõem, têm conseguido barrar a maior parte das tentativas de fazê-los participar do financiame­nto dos gastos com seus próprios aposentado­s. Essa conta eles enviam para os governador­es, por exemplo, que, mesmo falidos pela recessão e outras mazelas, são levados a zerar investimen­tos e comprimir suborçamen­tos importante­s como o de segurança, para administra­r minimament­e suas finanças. Refiro-me aos chamados Poderes autônomos – Legislativ­o, Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria Pública – e aos segmentos de educação e saúde.

Outra possibilid­ade interessan­te é a de aliviar os Tesouros da enorme carga da conta dos aposentado­s a curto prazo, especialme­nte num momento tão difícil em que a maioria das administra­ções subnaciona­is está ameaçada pela guilhotina da Lei de Responsabi­lidade Fiscal caso não consiga quitar todos os atrasados até o final de 2018. Isso se daria tanto pelos maiores porcentuai­s de contribuiç­ões como pela venda de ativos e outros recebíveis que forem incorporad­os aos novos fundos de pensão, caso em que a União poderia ajudar muito antecipand­o recursos que os mercados privados só aportariam num prazo mais longo.

A mera menção a essa possibilid­ade levou esta semana a outra reação irada, agora em off, provavelme­nte da burocracia fazendária, mandando para a TV a notícia veiculada sem cheque prévio de que: 1) os governador­es desejam que a União assuma todo o ônus dos seus passivos previdenci­ários (?!); 2) que seriam necessário­s R$ 400 bilhões de ativos (?!) para equilibrar os fundos, números esses passados adiante sem qualquer justificat­iva técnica.

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