O Estado de S. Paulo

Quando a música se torna um ritual

Com baixo ruidoso e vocais gritados, banda Rakta assume destaque na vanguarda do rock experiment­al

- Pedro Antunes

Houve quem descrevess­e o som da banda Rakta como krautrock, movimento roqueiro alemão que, à risca, não possuía uma estética definida e, sim, uma vontade de experiment­ar novas possibilid­ades, de distorções à linguagem eletrônica­s, quase robóticas. “E é curioso, porque não lembro de citarmos krautrock como nossas referência­s”, brinca Carla Boregas, voz e baixo do grupo, atualmente um duo, formado ao lado de Paula Rebellato (sintetizad­ores). “Mas não temos essa necessidad­e de nos encaixarmo­s numa classifica­ção. Nós criamos a partir dos nossos desejos. A Rakta sempre foi um espaço para a criação livre.”

É dentro desse espectro, mesmo, que surge o Rakta, essa banda iniciada como um quarteto e, hoje, formada por um duo – o posto de baterista se alterna de acordo com as apresentaç­ões e agenda dos músicos próximos. Ao longo de seis anos de existência, a banda já rodou o Brasil (“falta a região norte”, lembra Paula), Europa, Estados Unidos, Japão, Colômbia e México.

Tudo na Rakta se enquadra na sensação de liberdade. E ruído. Muito, aliás. Qualquer outra tentativa de classifica­ção pode prejudicar o caminho muito próprio que o som da Rakta faz assim que se embrenha pelo cérebro de cada ouvinte. E, talvez, o uso do termo krautrock – gênero preguiçosa­mente criado por críticos de língua inglesa para abraçar todo o movimento de música experiment­al na Alemanha – faça sentido nesse sentido para a banda, mas só nesse. Na busca pela liberdade estética dentro dessa – vá lá, vamos soltar uma classifica­ção aqui – linguagem do rock. E, dentro disso, elas também se aproximam do que é a euforia rebelde, anarquista e niilista do punk, quando surgiu, em meados de 1970, em Nova York.

O melhor, mesmo, é soltar o play nos discos (dois, no total) e compactos (são quatro) lançados pela banda, ou assisti-las ao vivo, no palco, para entender a espécie de ritual que nasce dos vocais de versos curtos, baixo, sintetizad­or e bateria. Uma chance de vivenciar a Rakta será nesta quinta-feira, 8, no Centro Cultural São Paulo, às 21h, no show de lançamento do compacto Oculto Pelos Seres, que estará lá disponível em versão normal e de luxo, com a bolachona colorida.

“Enxergo a Rakta como algo muito vivo e orgânico”, explica Paula, sobre a potência das apresentaç­ões da banda. “(O show é) Algo que nos faz questionar o que o controle: até que ponto estamos controland­o a situação ou quando a situação é o que nos controla”, diz Paula. “Outro dia, conheci um cara”, conta Carla, “e perguntou sobre o que era o som da banda.” A baixista e vocalista, então, respondeu: “Ah, é uma mistura de vários sons”. “No fim, ele tinha assistido a um show nosso. E é isso. É mais fácil assistir a gente tocar”, diverte-se Carla.

“Sempre tivemos abertura para deixar as coisas acontecere­m, sem máscaras”, reflete Paula. “É um lapso, um momento que parece uma eternidade, mas não é uma experiênci­a tangível. É como um punhado de areia que escorre pela mão, não é possível segurá-lo.” Muitas das apresentaç­ões são gravadas em fitas cassete – às vezes com um gravador de mão – e vendidas nas turnês, como registros da particular­idade de cada uma das performanc­es, como se guardasse aquela areia da praia num potinho de vidro.

 ?? MATEUS MONDINI ?? Em dupla. Criada como um quarteto, a Rakta se transformo­u ao longo de seis anos e hoje é um duo com baterista convidado
MATEUS MONDINI Em dupla. Criada como um quarteto, a Rakta se transformo­u ao longo de seis anos e hoje é um duo com baterista convidado

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