O Estado de S. Paulo

Palco da vida e da morte

-

Grito de vida, lamento de morte, não importa. A chuva de confete e serpentina começou às toneladas e se esta não for a sua marchinha, corra. É o melhor que poderá fazer para não ser abalroado por uma colombina desgoverna­da, um pierrô trôpego do que considera vida. Aceite, tudo é teatro. E este, como bom anfitrião, sempre deu as boas vindas a Momo.

Senão, apelemos aos deuses gregos na poesia dramática de Vinicius de Moraes. A peça é uma tragédia carioca e se passa no morro: Orfeu da Conceição. Foi, como tudo o que o poeta fazia, um portal para o infinito. Em Orfeu se deu o primeiro encontro de vida e arte com Tom Jobim – e o resto da história todos conhecem. Tom musicou o espetáculo para a estreia em 1956 e depois as músicas viraram disco. Os cenários eram de Oscar Niemeyer, com cartazes de Carlos Scliar e Djanira. E ainda assim não bastava, era preciso mais assim como o carnaval precisa de quatro dias. Atores negros ganharam o palco do Municipal do Rio de Janeiro, uma raridade, quase petulância. Com todo esse ineditismo ainda veio o maior deles, agora em tela grande: Marcel Camus filma a história de Vinicius – ele rejeitou o resultado do filme – e leva a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar com o rebatizado Orfeu Negro. Vinicius era um bruxo, não tinha pra ninguém.

A história do bicheiro de Madureira ficou famosa pelas mãos de Nelson Rodrigues em Boca de Ouro e a montagem de Gabriel Villela ano passado cobria de confete e serpentina os atores. Outra, de boa lembrança: a estreia do ator Marcos Caruso no teatro se deu justamente na peça Rei Momo, texto e direção de Cesar Vieira, no Teatro Popular União e Olho Vivo. Mas carnaval de verdade era o do ator Sergio Britto, que todos os anos reunia amigos em sua casa, no Rio, durante a festa, para maratonas de música e filmes. Sim, um movimento anticarnav­alesco que virou carnaval no palco. Os encontros inspiraram Baile de Máscaras, peça de Mauro Rasi, com Cleyde Yáconis e Lilia Cabral no elenco.

Tem mais carnaval no teatro, como na peça de Dias Gomes e Ferreira Gullar, Dr. Getúlio: Sua Vida e Sua Glória, em que a vida do ditador corria paralela ao momento em que uma escola de samba o escolhe como tema do desfile. Ou ainda sobre a volta do próprio GV em 1950 na trama criada por Oswaldo Mendes, Um Tiro no Coração, embalada por Walderez de Barros como vedete, entoando alalaô para os viventes.

Mas a passarela que representa para atrizes e atores o teatro de São Paulo não é o sambódromo. Está na Bela Vista e foi criada no Oficina pelas mãos de dois arquitetos, Lina Bo Bardi e Edson Elito, palco de 50 metros como corredor de passagem. É ali que a festa da vida e da morte em forma de poesia acontece todos os dias, com ou sem carnaval.

 ?? JOÃO CALDAS ?? Confete. Cena de ‘Boca de Ouro’, de Nelson Rodrigues, dirigida por Villela
JOÃO CALDAS Confete. Cena de ‘Boca de Ouro’, de Nelson Rodrigues, dirigida por Villela
 ?? JOÃO WADY CURY
E-MAIL: JOAO.CURY@ESTADAO.COM BLOG: CULTURA.ESTADAO.COM.BR/BLOGS/ARCENICO ??
JOÃO WADY CURY E-MAIL: JOAO.CURY@ESTADAO.COM BLOG: CULTURA.ESTADAO.COM.BR/BLOGS/ARCENICO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil