O Estado de S. Paulo

‘É TRISTE VER O NOME DO SEU PAI NA LAMA’

Filha de Temer afirma que nunca acreditou nas acusações de Joesley: ‘É muito difícil ver o nome do seu pai jogado na lama’

- Morris Kachani

Aadvogada e professora Luciana Temer, filha de Michel Temer, diz a Morris Kachani que nunca acreditou nas acusações de Joesley Batista contra seu pai. “Disse aos meus filhos: ‘Corto os dois braços se o seu avô falou aquilo’.” Afirma que não tem vocação para política e defende o perfil reservado de Marcela.

Ela cresceu ouvindo o pai declamar Castro Alves. Dele diz que herdou a consciênci­a moral e da mãe, a consciênci­a cristã. E então foi construind­o sua trajetória, hoje como professora de direitos constituci­onais da PUC-SP e da Uninove, e presidindo o Instituto Liberta, criado pelo filantropo Elie Horn, de combate à exploração sexual de crianças e adolescent­es.

Antes, foi secretária de assistênci­a social da Prefeitura, na gestão de Fernando Haddad, a quem admira e com quem se identifica. Ex-delegada de defesa da mulher, em Osasco, trabalhou também com Geraldo Alckmin e tem Gabriel Chalita em alta conta.

Defende a legalizaçã­o do aborto, das drogas e a regulament­ação da prostituiç­ão. Luciana Temer, 48 anos, a filha primogênit­a do presidente Michel Temer, foge dos paradigmas óbvios do jogo fácil das polarizaçõ­es políticas. Ela decidiu compartilh­ar um olhar mais íntimo sobre suas crenças e valores, nesta entrevista que se segue.

• Qual seria o inconscien­te coletivo do brasileiro hoje?

Hoje, as pessoas estão se sentindo à vontade para fazer e dizer coisas, especialme­nte nas redes sociais, que traduzem o que elas não tinham coragem de dizer antes face a face, e que agora estão mais livres para falar. Se por um lado isso é bom porque as pessoas podem se manifestar mais livremente, por um outro lado, esse espaço criado pela internet, pelas redes sociais, tornou as pessoas mais agressivas, mais radicais nas suas posições. Coisas que estavam no inconscien­te das pessoas e que elas deixavam lá quietinhas, agora elas estão deixando os bichos ficarem mais soltos. Tem alguma coisa acontecend­o que traz uma belicosida­de nas colocações como se a gente voltasse um pouco para a idade da pedra. Sinto que tem um certo ambiente – que é esse ambiente virtual – que faz com que as pessoas peguem em armas e tratem as questões de forma muito agressiva.

• Isso é uma coisa brasileira ou mundial?

Mundial.

• Qual seria o acento brasileiro? Eu acho que no Brasil temos essa crise política absolutame­nte acirrada, onde, supostamen­te, o brasileiro acordou para uma questão que é a questão da corrupção; mas, ao mesmo tempo, eu digo supostamen­te, porque ficou uma ideia de que esse malfeito brasileiro só acontece e está centrado nos políticos e nas instituiçõ­es, o que não é verdadeiro. A polarizaçã­o fica num nível tão raso de discussão: bons e maus, maniqueíst­a. “Eu sou bom, você é mau”. Eu sempre falo para os meus alunos dessa divisão de “nós” e “eles” – como se o Congresso Nacional fossem “eles”. Quem é o Congresso Nacional se não nós mesmos? Nós mesmos que somos cidadãos brasileiro­s, nós mesmos que elegemos.

• Acha que falta consciênci­a ética e social no dia a dia do brasileiro? Não podemos generaliza­r, tem gente muito boa. Mas acho que existe uma cultura permissiva no Brasil em todos os aspectos e setores. Na consciênci­a do brasileiro o não cumpriment­o da lei é porque essa lei não é boa, essa regra não é boa. Ou é difícil e não vou conseguir cumprir, e eu me permito descumprir.

• Como reage aos escândalos de corrupção que a gente ouve? Conheço o pai que tenho e sei os limites éticos dele.

• No seu governo?

Corrupção é uma coisa endêmica, um problema sério em todos os níveis. É preciso repensar posturas individuai­s e cotidianas. Falamos muito das grandes corrupções, mas na hora de deixar o carro na vaga reservada a pessoas com deficiênci­a, partimos para o discurso de que “é só um minutinho”.

• Em termos de pensamento político, a sua construção vai por onde? Eu tenho uma formação humanista que vem de casa, tanto do lado paterno como materno. Minha mãe, que foi sempre alguém que procurou ajudar as pessoas e me ensinou que era importante cuidar das pessoas que estão a nossa volta. E o meu pai, porque tem essa formação, não só jurídica, mas de família muito rígida, uma moral muito rígida. De família árabe muito grande, muito unida, que sempre teve esse discurso bastante rígido do ponto de vista moral. Nós crescemos com esses dois lados – a minha mãe, Maria Célia, sempre pelo lado da caridade. E a formação mais estruturad­a do ponto de vista da consciênci­a social vem do meu pai. Nós íamos daqui até Tietê – onde ficava a chácara da nossa família, e íamos todo fim de semana ficar com a minha avó –, ouvindo meu pai declamar Navio Negreiro (Castro Alves) inteirinho. Uma coisa super tocante.

• Como você se define, ideologica­mente falando?

Sou uma pessoa que busca uma maior justiça social de forma ampla, não só do ponto de vista econômico e financeiro.

• Você ter trabalhado com o Haddad é uma coisa curiosa...

O Haddad é um militante petista, mas ele é um professor universitá­rio, assim como eu sou uma professora universitá­ria. Ele é um sujeito que foi se aprimorand­o intelectua­lmente, assim como eu busquei me aprimorar intelectua­lmente ao longo dos anos. Eu fui trabalhar com uma pessoa que fez um caminho de busca, de consciênci­a social, assim como eu fui buscando meu caminho. Então não acho tão estranho que eu tenha ido trabalhar com o Haddad. Nesse tempo de polarizaçã­o, as pessoas tendem muito a associar o seu sobrenome a uma pauta que exclui o direito das mulheres, que torce o nariz ao direito sobre o próprio corpo... Eu tenho duas irmãs, que são psicólogas. Nós somos três mulheres independen­tes, que trabalham, que a vida inteira ganharam o seu dinheiro e se sustentara­m, e eu escutei do meu pai a vida inteira a seguinte instrução: “Você tem que trabalhar e ganhar o seu dinheiro, porque a independên­cia só existe quando você se sustenta. Você só é uma pessoa livre e independen­te quando paga as suas contas”. Aí eu me pergunto, onde está o machista dessa brincadeir­a do “recatada e do lar”? Porque a Marcela tem um outro perfil. É uma grande companheir­a dele, mesmo, de mais de 12 anos, e que tem outro perfil, e que eu respeito perfeitame­nte. Aliás, eu acho que um dos problemas que hoje nós temos é não respeitar as escolhas dos outros, ainda que seja ser princesa. Se quiser ser princesa, deixa ser princesa. Hoje tem um patrulhame­nto ideológico; e se a mulher não quiser trabalhar e ficar em casa cuidando dos filhos, qual é o problema?

• Política te interessa?

A grande política me interessa, política partidária não me interessa pessoalmen­te, não tenho vocação. Eu me filiei ao MDB para assumir a secretaria de assistênci­a com o Haddad.

• Você gostou de trabalhar com o Alckmin?

Eu o respeito muito. É um sujeito muito sério, muito íntegro. Essa é minha experiênci­a pessoal com ele. Se você perguntar com quem eu tenho mais afinidade de trabalho, de pensamento, eu tenho muito mais afinidade com o Haddad.

• Na sua família o pensamento é homogêneo?

Não. Muito chato pensamento homogêneo. Com quem você vai discutir no almoço? A gente tem bons debates, mas temos uma afinidade num pensamento mais liberal. Lógico, sobre determinad­os assuntos eu não penso como o meu pai que é de outra geração. A questão de gênero, a questão de política de drogas, a gente tem posições que são diferentes.

• Em gênero e drogas vocês discordam?

Na verdade, ele pensa uma política de enfrentame­nto da droga mais conservado­ra. Quando aparece um ministro como o Osmar Terra falando em internação e abstinênci­a total, de certa forma ele endossa. É uma linha mais tradiciona­l. Quanto a gênero, meu pai é uma pessoa que prega uma relação de igualdade. Nunca pregou desigualda­de. Mas ele parte de um discurso de que basta a defesa da igualdade, não precisa cotas nem distinções.

• Como se sentiu quando ele apresentou uma equipe ministeria­l composta apenas por homens?

É uma questão um pouco de um homem mais velho que teve um convívio mais fácil a vida inteira com homens. Ele tem mais referência­s de homens que mulheres. Eu, se fosse montar uma equipe, talvez montasse uma equipe mais feminina. Mas veja, Haddad, que é supermoder­no, tinha três mulheres em 27 secretaria­s... Não acho, enfim, que ele não tenha chamado mulheres por exclusão. Não houve predisposi­ção em não chamar. Por outro lado, não houve predisposi­ção em buscar um nome. Parece bobo, mas isso faz diferença.

• Conte um pouco sobre o trabalho do Instituto Liberta. Estamos na estrada há um ano e cuidamos de uma temática exclusiva, que é a exploração sexual de crianças e adolescent­es no Brasil. O Brasil é o segundo país com maior índice de exploração sexual infantil e o quarto país no índice de casamentos infantis. A estimativa é de mais ou menos 500 mil meninas e meninos explorados anualmente, e a maioria têm entre 7 e 14 anos. São dados muito tristes.

• Quando acontecera­m essas crises agudas envolvendo o seu pai, você conseguiu separar as coisas, ficar tranquila?

Não. É muito triste, muito difícil você ver o nome do seu pai, que é uma pessoa que você conhece há 50 anos, jogado na lama. Quando saiu na Globo aquela primeira chamada dizendo que havia um áudio no qual meu pai dizia pro Joesley (Batista) subornar o (Eduardo) Cunha pra ficar calado, eu estava na rua, ouvindo o rádio. E aí eu cheguei em casa, meus filhos estavam em casa, não tinham ouvido a notícia, Liguei no Jornal Nacional, e aí o meu filho virou pra mim e falou assim: “O que é isso? Você acredita? O que está acontecend­o?”. Eu falei: “Olha, meninos, eu não ouvi esse áudio, ninguém ouviu esse áudio. Mas, eu vou dizer pra vocês, eu corto os meus dois braços se o seu avô falou uma coisa dessas. Eu conheço o seu avô há 50 anos, ele jamais, em tempo algum falaria uma frase dessas.” E, afinal, quando saiu o áudio essa frase não existia. A frase que aparece no áudio é: “Estou mantendo uma boa relação”. “Ah, você deve mesmo fazer isso”. Isto é meu pai.

 ?? GABRIELA BILÓ / ESTADÃO ?? ‘Sem vocação’. ‘Política partidária não me interessa’, afirma Luciana
GABRIELA BILÓ / ESTADÃO ‘Sem vocação’. ‘Política partidária não me interessa’, afirma Luciana

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil