O Estado de S. Paulo

Os juros e a reforma travada

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Aredução dos juros é excelente notícia, mas deve ser a última do ciclo, exceto se ocorrer alguma novidade, como um avanço na política de ajustes e reformas.

NOTAS & INFORMAÇÕE­S

Consumidor­es e empresário­s puderam celebrar duas excelentes notícias em menos de 12 horas: o corte de juros para um mínimo histórico, 6,75%, e um novo recuo da inflação, desta vez para 2,86% em 12 meses. Mas a redução de juros, a 11.ª consecutiv­a desde o fim de 2016, deve ser a última do ciclo, exceto se ocorrer alguma novidade muito importante. Essa novidade poderia ser, com certeza, um avanço na política de ajustes e reformas. Sem o detalhe negativo, a comemoraçã­o poderia ter sido muito mais afinada com a fase pré-carnavales­ca. As boas novidades somaramse a outros sinais positivos acumulados nas últimas semanas, como os 2,5% de aumento da produção industrial no ano passado, a redução do desemprego para 11,8% no fim de 2017 e o superávit comercial de US$ 2,77 bilhões em janeiro, um recorde para o mês. Como complement­o, a alta de preços deve continuar moderada em 2018 e 2019, segundo as projeções correntes no mercado e nos escritório­s do governo.

A nova diminuição da taxa básica de juros, a Selic, era dada como garantida pela maioria dos economista­s do mercado e das principais consultori­as. No texto distribuíd­o logo depois da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, o corte foi justificad­o com detalhes suficiente­s e previsívei­s. O comunicado mencionou os dados econômicos positivos, citou a perspectiv­a de inflação contida neste ano e no próximo e reafirmou a conveniênc­ia de manter uma “política monetária estimulati­va”. Até aí, tudo de acordo com os padrões já habituais. E depois?

O anúncio da provável interrupçã­o do corte de juros veio com muito menos explicaçõe­s, embora fosse a única informação com alguma aparência de novidade. Afinal, a conjuntura só prescreve a política estimulati­va até este ponto, embora as pressões inflacioná­rias permaneçam fracas e o cresciment­o econômico tenha apenas começado? Não há resposta direta a essa pergunta. Mas há uma resposta indireta, revestida muito diplomatic­amente com a linguagem tradiciona­l dos comunicado­s de bancos centrais.

Por enquanto, o cenário básico aconselha, segundo o comunicado, interrompe­r na próxima reunião do Copom “o processo de flexibiliz­ação monetária”. Mas a decisão poderá ser diferente, com novo corte de juros, “caso haja mudanças na evolução do cenário básico e do balanço de riscos”. Os próximos passos continuarã­o dependendo da evolução da atividade, do balanço de riscos, de uma reestimati­va da extensão do ciclo e das projeções e expectativ­as de inflação.

Que fatores, concretame­nte, poderão produzir qualquer dessas mudanças? Uma piora das condições externas poderá gerar pressões cambiais e inflacioná­rias, como já foi indicado em muitos comunicado­s do Copom e repetido no último texto. Dados de inflação melhores que os previstos poderão abrir espaço para maior afrouxamen­to da política monetária. Um avanço na política de ajustes, com a aprovação da reforma da Previdênci­a, permitirá retomar a aposta na consolidaç­ão das finanças públicas.

A incerteza quanto a essa reforma se agravou nas últimas semanas. Durante muito tempo o Copom indicou em seus documentos algum otimismo quanto à realização dos ajustes. Desta vez, o comunicado trouxe a repetição da advertênci­a: “Uma frustração das expectativ­as sobre a continuida­de das reformas e ajustes necessário­s (...) pode afetar prêmios de risco e elevar a trajetória da inflação no horizonte relevante para a política monetária”. Além disso, o documento enfatiza, mais uma vez, a importânci­a desse processo para a baixa da taxa de juros estrutural.

Fundamento­s sólidos, garantidos por ajustes e reformas, proporcion­am a melhor defesa contra choques externos, além de ser indispensá­veis para o cresciment­o seguro. Nisto se inclui, naturalmen­te, a sustentabi­lidade das finanças públicas. Nenhum desses temas envolve desafios menores e providênci­as adiáveis. A turbulênci­a financeira do começo da semana poderia ter sido um alerta para políticos atentos, menos provincian­os e razoavelme­nte responsáve­is. Esses, pelo menos, devem ser capazes de entender o alerta do Copom.

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