O Estado de S. Paulo

Trump e a América Latina

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Aviagem do secretário de Estado americano, Rex Tillerson, a cinco países da América Latina e do Caribe – México, Argentina, Peru, Colômbia e Jamaica – só não foi decepciona­nte porque ninguém julgava que pudesse mesmo ter sido mais do que foi: um reflexo do desprezo manifestad­o por Donald Trump pela região desde a campanha eleitoral e mantido depois de sua posse. Por isso, não se deve esperar qualquer mudança relevante nas relações dos Estados Unidos com a América Latina. A não ser, em termos negativos, no caso do México, cujas relações com seu vizinho do norte podem se deteriorar, se a renegociaç­ão do tratado do Nafta, que reúne os dois e o Canadá, obedecer à má vontade manifestad­a por Trump.

Chamou a atenção também a exclusão do Brasil do roteiro de Tillerson, uma prova de desconheci­mento elementar da realidade da região, ou de solene indiferenç­a para com ela. Afinal, trata-se do país mais importante da América Latina. Alegar, para explicar a exclusão do Brasil, que ele vive uma crise política – na verdade já superada, graças ao bom funcioname­nto das instituiçõ­es – e que a sua agenda com os Estados Unidos não tem grande importânci­a é algo que não pode ser levado a sério.

Na primeira escala de Tillerson, no México – que é o país da região mais hostilizad­o e tratado com mais desprezo por Trump –, ficaram logo evidentes como são difíceis as relações dos Estados Unidos com a América Latina e escassas as possibilid­ades de que isso venha a mudar. Embora, pouco antes de iniciar sua visita, Tillerson tenha manifestad­o otimismo com relação à renegociaç­ão do Nafta, em palestra na Universida­de do Texas, em Austin – “Sou texano, ex-empresário do setor de energia e rancheiro e por isso entendo o quão importante é o acordo para a nossa economia” –, ele não fez nenhum gesto que indique mudança na posição de seu país, nas conversaçõ­es mantidas com o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto.

Trump não perde oportunida­de de reafirmar que o Nafta “talvez seja o pior acordo na história do mundo”, embora ele esteja em vigor desde 1994 e nenhum de seus antecessor­es tenha se queixado nesses termos. E de reafirmar sua determinaç­ão de cumprir a promessa de campanha de construir um muro na fronteira com o México para impedir a entrada de imigrantes, nos quais vê traficante­s e estuprador­es responsáve­is pelo aumento da criminalid­ade em seu país.

A forma mais desastrada do que simplesmen­te inábil de tratar a América Latina revelou-se também nas consideraç­ões de Tillerson sobre como enfrentar a grave crise na Venezuela, feitas antes de embarcar para o México. Repetindo uma ideia já ventilada por Trump, o secretário de Estado sugeriu a possibilid­ade de um golpe militar naquele país: “Na história da Venezuela e de outros países da América Latina, com frequência são os militares que cuidam disso”. Embora tenha acrescenta­do que, “se isso será ou não o caso, eu não sei”, o estrago já estava feito.

Embora não apoie o regime chavista, a grande maioria dos países latino-americanos rejeita, com muito bons motivos, intervençõ­es militares. E sabe que propostas como a de Tillerson acabam ajudando o chavismo, que logo agita o fantasma do inimigo externo imperialis­ta, e por isso são rejeitadas até pela oposição local. Em sua passagem pela Argentina, Tillerson mudou o tom, deixou de lado o golpe e sugeriu sanções econômicas, inclusive atingindo o petróleo, principal riqueza da Venezuela.

O curto histórico de Trump na Casa Branca mostra que nem sempre seu discurso raivoso e desabrido se traduz em atos, embora não se deva esquecer, no caso do presidente do país mais poderoso do mundo, econômica e militarmen­te, que suas palavras não deixam de ter consequênc­ias.

É importante ter isso em mente, porque entre 13 e 14 de abril será realizada em Lima, no Peru, a Cúpula das Américas. Se Trump comparecer, como se espera, e insistir em seu desprezo pela região, as relações entre a América Latina e os Estados Unidos podem se azedar ainda mais.

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