O Estado de S. Paulo

Kerlon reencontra a felicidade nos EUA

Aos 30 anos, autor do ‘drible da foquinha’ não resiste às lesões e se aposenta. Agora, dá aulas de futebol no exterior

- Leandro Silveira

O “drible da foquinha” não voltará a ser visto nos campos tão cedo. Com 30 anos, Kerlon perdeu para as lesões e abandonou os gramados oficialmen­te, mas não se afastou completame­nte do futebol. Agora trabalha em uma escolinha de futebol em Connecticu­t, nas proximidad­es de Nova York, como professor particular e na gestão de um recém-criado time para disputar a liga da cidade e receber jovens intercambi­stas.

Este passo foi o primeiro de Kerlon após se afastar do futebol profission­al por não encontrar mais a felicidade na rotina do esporte. “Eu não estava feliz jogando futebol, ia para casa triste, ia jogar muito triste. Isso estava acabando comigo e com a minha família”, comentou.

Ao lado do “drible da foquinha”, em que enfileirav­a embaixadin­has com a cabeça em velocidade diante de marcadores que não sabiam o que fazer para pará-lo, a não ser cometendo faltas, as lesões marcaram a carreira de Kerlon. Foram oito cirurgias ao todo, sendo seis nos joelhos e duas nos tornozelos.

Isso sem contar as lesões musculares, problema que mais o atormentav­a e atemorizav­a nos últimos anos. “Eu não conseguia dar um pique 100%. Comecei a jogar mais parado, tinha receio de driblar e o músculo abrir. Tive várias lesões musculares

na Eslováquia, ficava 20 dias parado, não tinha sequência de jogos”, conta ao Estado.

No futebol eslovaco, no Spartak Trnava, por onde também andou, Kerlon fez em 2017 os últimos jogos de uma carreira que prometia ser de sucesso e que teve ótimo início. Afinal, em 2005, ele foi a grande estrela da seleção brasileira que conquistou o título do Sul-Americano Sub-17, sendo o artilheiro da competição e seu melhor jogador, liderando uma equipe com jogadores que têm tudo para participar­em da Copa do Mundo na Rússia, casos de Marcelo, Renato Augusto e Willian.

Muito antes disso, Kerlon ensaiava o drible que o tornou conhecido com um treinador especial, seu pai. “Fiz pela primeira vez quando tinha 14 anos. Treinava a jogada com o meu pai em Ipatinga desde os nove. Treinei até a jogada virar algo natural em campo”, relembra.

Após ganhar fama com sua participaç­ão no torneio da Venezuela, ele se profission­alizou como promessa no Cruzeiro, ficou marcado pela atuação decisiva em um clássico com o Atlético-MG em 2007, em que Coelho o derrubou agressivam­ente após a jogada do “drible da foca”. Mas já sofria com as graves lesões antes mesmo de se transferir para a Itália – foi contratado pela Inter de Milão, que o repassou ao Chievo Verona.

Depois disso, Kerlon se tornou um andarilho da bola, com passagens por modestos times mineiros, o Paraná, a equipe B do Ajax, clubes desconheci­das dos EUA e de Malta, além do Fujieda, da terceira divisão japonesa, onde viveu os seus últimos bons momentos, chegando a ter seu rosto estampado em marcas de refrigeran­tes, até chegar à Eslováquia. A passagem por clubes de pouca estrutura acabou por impedi-lo de se afastar das lesões. “Fui um jogador de muitas lesões e precisava de um clube com estrutura para o meu tratamento”, reconhece.

Mesmo admitindo ter feito escolhas erradas na carreira, Kerlon não lamenta destino final tão distante no futebol do que imaginava. “Cada um tem uma história diferente. Se soubesse como tudo seria, a vida não teria graça. Sou feliz com que a vida me deu. Para quem fala em promessa que não vingou, digo que a vida foi intensamen­te vivida da minha forma”, afirma.

Aposentado­ria. Ao parar, Kerlon viu que precisava de um novo rumo para a vida, deixando para trás o conforto do futebol para buscar o sustento da família – ele é casado e tem uma filha. “Jogador tem facilidade para ter tudo na mão imediatame­nte. É muito difícil parar porque os jogadores têm várias regalias. As pessoas fazem tudo para você, nem é preciso arrumar a cama ou pagar contas. O jogador é tão monitorado que não enxerga a vida fora do futebol. Me deparei com isso quando parei”, diz.

Foi aí que surgiu a chance de “preencher a vida” com o trabalho na Olé Soccer, uma escolinha com mais de 3 mil alunos em Connecticu­t. Ao lado de Rodrigo Nunes, fundador da instituiçã­o, criamos um clube, o Olé Soccer Internatio­nal, para a disputa da liga de Connecticu­t, com jovens de 18 a 22 anos, treinos e moradia e aulas de inglês em parcerias com universida­des dos EUA. Kerlon toca a gestão do projeto, além de dar aulas individuai­s com trabalhos específico­s. Ele diz ter recuperado a alegria que o futebol lhe deu ao ser reconhecid­o como criador de um drible único, mas que havia perdido com o seu histórico de lesões. “Eu inventei o drible da foquinha e ninguém vai tirar isso de mim”. Ele mora nos Estados Unidos com a família.

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OLÉ SOCCER INTERNATIO­NAL
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Início. Kerlon e a bola na cabeça, ainda no Cruzeiro

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