O Estado de S. Paulo

A quem interessa que areforma não passe?

- •✽ ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

No início desta semana, acumulavam-se sinais de que o governo poderia estar prestes a jogar a toalha e, para efeitos práticos, dar por oficialmen­te abandonada a longa batalha pela aprovação da reforma da Previdênci­a no atual mandato presidenci­al. E já se notava certa tensão, entre o Planalto e o Congresso, em torno da ingrata divisão do ônus político de tal desfecho.

Nos últimos dias, o governo entendeu que era preciso desfazer essa impressão. Anunciou que o Planalto estava empenhado em novo e decisivo esforço de mobilizaçã­o da bancada governista para tentar aprovar, até o final de fevereiro, uma proposta um pouco menos ambiciosa de reforma. Será a última ofensiva do governo em um longo jogo que se revelou ainda mais difícil do que de início se esperava. Aos trancos e barrancos, ao fim de mais de duas décadas de esforços, é inegável que o País adquiriu compreensã­o muito mais clara da inevitabil­idade da reforma. E boa parte desse avanço deve ser creditada à equipe econômica do atual governo.

Entre pessoas minimament­e bem informadas já há amplo entendimen­to de que as contas da Previdênci­a se tornaram insustentá­veis. Os números falam por si. Só na esfera federal o déficit do sistema chegou a R$ 269 bilhões no ano passado. E a esta cifra tão absurda ainda têm de ser adicionado­s os assustador­es déficits previdenci­ários dos governos subnaciona­is, cujos orçamentos vêm sendo inviabiliz­ados pelo cresciment­o descontrol­ado das folhas de inativos. O Estado do Rio Janeiro é só o líder de uma longa fila de Estados e municípios quebrados.

Tem também se disseminad­o a compreensã­o de que, sem a reforma da Previdênci­a, não há como superar o quadro de descalabro fiscal que vem impedindo uma retomada sustentáve­l do cresciment­o da economia e a eliminação do drama que hoje enfrentam cerca de 12 milhões de desemprega­dos no País.

Em entrevista concedida em meados de janeiro, o secretário da Previdênci­a Social, Marcelo Caetano, assegurou que, se a proposta de reforma fosse aprovada, não mais que 9,5% dos trabalhado­res teriam perdas superiores a 1% do seu benefício de aposentado­ria (Valor, 15/1). Com a recém-anunciada disposição do governo de flexibiliz­ar em alguma medida a proposta de reforma, é bem provável que o porcentual de trabalhado­res significat­ivamente afetados se torne ainda menor. E, no entanto, o governo está longe de estar convicto de que ainda será possível formar no Congresso a maioria de 60% requerida para aprová-la.

Entender porque uma reforma tão crucial – com resultados potenciais tão promissore­s e com custos mais significat­ivos restritos a uma parcela relativame­nte pequena do eleitorado – continua a enfrentar tantas dificuldad­es para ser aprovada é tema para discussões intermináv­eis. Mas parcela importante da explicação tem a ver com a resistênci­a ferrenha que as castas mais bem posicionad­as de funcionári­os públicos vêm fazendo à reforma. Embora isso seja mais do que sabido, ainda falta compreensã­o clara de como tal resistênci­a vem de fato bloqueando a formação da maioria requerida para aprovação da reforma no Congresso.

Não parece ser uma questão meramente eleitoral, que poderia advir de preocupaçõ­es do parlamenta­r com possíveis reações da parte do seu eleitorado composta por funcionári­os públicos. Isso pode até explicar o comportame­nto das bancadas do PT e de outros partidos de esquerda. No caso dos partidos da base aliada, contudo, as razões da oposição à reforma parecem ser bem mais diretas.

Com frequência, o parlamenta­r está irremediav­elmente enredado pela teia de interesses de toda uma extensa parentela de funcionári­os públicos – quase sempre bem posicionad­os – tanto em Brasília como nos Estados: cônjuge, pais, irmãos, cunhados, filhos, genros, noras, sobrinhos e netos.

Seria muito bom se evidências mais objetivas e sistemátic­as das reais proporções desse enredament­o pudessem ser levantadas tanto pela mídia como em pesquisas de mais fôlego.

Não é por via eleitoral que boa parte do Congresso sofre pressões contra a reforma

ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDA­DE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

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