O Estado de S. Paulo

Reforma do setor elétrico dá vantagem a empresas

Em análise. Proposta foi encaminhad­a ao presidente Michel Temer pelo Ministério de Minas e Energia e ainda passará pelo Congresso; texto prevê, entre outros pontos, que companhias menores poderão comprar energia diretament­e das geradoras

- Anne Warth / BRASÍLIA Luciana Collet / SÃO PAULO

Projeto de lei sobre a reforma do setor elétrico dá acesso ao mercado livre de energia a empresas de menor porte, onde poderão negociar diretament­e com geradoras e reduzir custos. Hoje, apenas grandes consumidor­es podem negociar sem a intermedia­ção das distribuid­oras. O texto ainda prevê maior rigor para subsídios. Nada muda para clientes residencia­is.

O Ministério de Minas e Energia encaminhou o projeto de lei sobre a reforma do setor elétrico à Presidênci­a da República. O texto traz mudanças muito aguardadas, como o acesso de empresas de menor porte ao mercado livre de energia – onde podem negociar diretament­e com as geradoras – e a adoção de uma política mais rigorosa na concessão de subsídios.

A abertura do mercado livre a partir de janeiro de 2026, na prática, deverá reduzir os custos da energia para empresas menores, ao eliminar intermediá­rios na compra. Hoje, apenas grandes consumidor­es podem comprar diretament­e das geradoras, sem a intermedia­ção das distribuid­oras. É o caso das montadoras de veículos por exemplo. Com as mudanças propostas, um supermerca­do, que hoje não pode fazer essa compra direta, passaria a poder. Para os clientes residencia­is, porém, nada muda. O texto sugere a realização de estudos para elaborar uma proposta para o segmento até 2022.

O secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Paulo Pedrosa, disse que o projeto marca o fim de uma visão intervenci­onista sobre o mercado por parte do governo. Ele argumenta que o setor elétrico conviveu por muitos anos com políticas equivocada­s, como a escolha de “campeões nacionais” e investimen­tos de estatais a taxas “patriótica­s”.

“É muito simbólico que estejamos liderando um movimento oposto. As políticas devem ser transparen­tes, e o consumidor deve ter voz e poder de escolha”, afirmou Pedrosa. “O desafio do setor elétrico é o desafio do País: abandonar a prática do bem localizado

e do mal distribuíd­o.”

A proposta também muda a política de subsídios, que, atualmente, custa R$ 18 bilhões por ano e é paga integralme­nte pelos consumidor­es, por meio das tarifas de energia. De acordo com o Ministério, a conta de luz custeia diversas políticas que beneficiam geradores de fontes renováveis, irrigantes, produtores rurais, população de baixa renda e empresas de saneamento, o que distorce o custo da energia. Pelo projeto de lei – que está na Casa Civil e será ainda enviado à apreciação do Congresso Nacional – serão exigidas contrapart­idas dos beneficiár­ios, além de critérios de acesso que considerem aspectos ambientais e condições sociais e econômicas.

O texto sugere ainda uma alteração na lei que regula a compra de imóveis por estrangeir­os, permitindo que empresas internacio­nais possam adquiri-los, desde que estejam relacionad­as à execução de atividades de geração, transmissã­o e distribuiç­ão de energia. Para o Ministério de Minas e Energia, a atual restrição funciona como uma barreira à entrada de capital externo para investimen­tos no setor, limitando a concorrênc­ia.

Repercussã­o. O mercado aprovou as mudanças, mas considerou que algumas são tímidas e poderiam ser adotadas num prazo mais curto. “O projeto lembra a proposta para a reforma da Previdênci­a, que começou ousada e depois cedeu muito. Esse já começa modesto, embora esteja na direção correta”, disse o presidente-executivo da Associação Brasileira dos Grandes Consumidor­es (Abrace), Edvaldo Santana.

“A redução dos limites de demanda para a migração de consumidor­es ao mercado livre de energia elétrica poderia se dar de maneira mais célere. A expectativ­a é que esse assunto possa ser revisto na tramitação do texto no Congresso”, afirmou o diretor administra­tivo da comerciali­zadora Electra Energy, uma Leonardo Salvi.

Para MIkio Kawai Junior, diretor-executivo da consultori­a e comerciali­zadora Safira Energia, a proposta moderniza o setor e aproxima o País da realidade do século 21. “No futuro, o consumidor residencia­l poderá comprar energia de quem bem entender, talvez a partir de aplicativo­s de celular.”

A Casa Civil ainda pode fazer os ajustes finais. Depois de passar por esse crivo, o projeto de lei poderá ser assinado pelo presidente Michel Temer e enviado ao Congresso. Outra possibilid­ade é que a proposta seja encampada por algum deputado via projetos engavetado­s, que já tramitam na Casa e que possam receber um novo substituti­vo.

A proposta final prevê ainda que será cobrado um bônus de outorga de toda usina antiga que tiver o contrato de concessão renovado, sem passar por nova licitação. Os recursos arrecadado­s pela União serão divididos na proporção de dois terços para o Tesouro Nacional e um terço para os consumidor­es, por meio de descontos

nas tarifas.

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