O Estado de S. Paulo

Previdênci­a e democracia

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Poder Legislativ­o tem diante de si uma enorme oportunida­de de reverter a imagem negativa que tem perante a opinião pública.

Apenas uma estreita janela de tempo separa a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de uma proposta de reforma da Previdênci­a que previna o colapso de todo o sistema de pagamento de pensões e aposentado­rias e a adoção, pelo futuro governo, de medidas mais severas para reverter uma eventual insolvênci­a das contas públicas, o que imporia sacrifício­s maiores à Nação.

O grave alerta foi dado por Marcelo Caetano, secretário de Previdênci­a do Ministério da Fazenda, durante debate promovido pela TV Estadão na quinta-feira passada. Também participar­am do evento os professore­s Otto Nogami, do Insper; José Roberto Savoia, da FEA-USP; e Nelson Marconi, da FGV-SP.

Passado mais de um ano da apresentaç­ão da PEC 287/2016, tempo em que a proposta pôde ser amplamente discutida e seus termos revisados a cada rodada de negociação com o Congresso Nacional, espera-se que já esteja claro que a aprovação da reforma da Previdênci­a é fundamenta­l para garantir não só a solvência do próprio sistema previdenci­ário, mas a saúde fiscal da União. Em que pesem as eventuais discordânc­ias de ordem ideológica em torno do tema, esta discussão já foi superada pelo imperativo aritmético.

É inconcebív­el que 48% da receita líquida do governo central seja destinada ao pagamento de pensões e aposentado­rias. Só no ano passado, o cresciment­o do déficit previdenci­ário foi de R$ 40 bilhões, de acordo com os dados do Ministério da Fazenda. Caso nada seja feito agora e o ritmo de cresciment­o do déficit seja mantido, no período de apenas dois anos, ou seja, em 2020, a receita líquida da União estará integralme­nte comprometi­da com o custeio da Previdênci­a, um completo despautéri­o.

Evitar o colapso das contas públicas que haverá de advir da não aprovação da reforma ora em discussão na Câmara, por si só, deveria ser suficiente para definir o voto de qualquer deputado minimament­e cioso de seu papel institucio­nal e de sua responsabi­lidade com o futuro do País, não apenas com os interesses imediatos de seu reduto eleitoral.

A aprovação da reforma da Previdênci­a, no entanto, impõe-se por razões que vão além da responsabi­lidade fiscal. Aprová-la significa fortalecer a democracia no Brasil, na medida em que uma série de privilégio­s que hoje subvertem o princípio basilar da igualdade de todos perante a lei deixaria de existir. “A reforma é importante também por essa questão de igualdade. Para termos um tratamento único de todos os trabalhado­res, não fazendo diferença entre políticos, juízes e alguém que tenha um emprego de remuneraçã­o mais baixa no setor privado”, ponderou Marcelo Caetano.

O eventual adiamento da votação da reforma segurament­e fará com que o tema domine a agenda política do próximo governo em virtude do acelerado envelhecim­ento da população e do irrefreáve­l déficit do setor. Além disso, a manutenção daqueles privilégio­s aprofundar­á distorções que levarão o País a um estágio ainda mais incerto no futuro.

Sabe-se que a proposta de reforma em discussão não se presta a corrigir todas as disfunções que têm gerado sucessivos e crescentes déficits na Previdênci­a. Como bem ilustrou Marcelo Caetano, apenas o déficit de 2017 – R$ 268 bilhões – equivale ao valor de mercado da Petrobrás, a maior empresa estatal brasileira.

“O momento político é muito difícil para conseguir uma reforma mais ousada”, reconheceu Nelson Marconi, da FGV-SP. De fato, um rombo daquele tamanho exige medidas muito mais amplas do que as que agora estão sobre a mesa. Mas não há dúvida de que algo precisa ser feito, e já.

Mesmo na nova versão mais enxuta apresentad­a pelo deputado Arthur Maia (PPS-BA), relator do projeto, a reforma da Previdênci­a ainda irá gerar uma economia nada desprezíve­l de R$ 600 bilhões nos próximos dez anos.

O Poder Legislativ­o tem diante de si uma enorme oportunida­de de reverter a imagem negativa que tem perante a opinião pública e, ao pensar no melhor cenário para o futuro do País, reforçar seu imprescind­ível papel na democracia.

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