O Estado de S. Paulo

O ensino de matemática

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Um ano após o sucesso da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas – criada pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es, e que contou com 17 milhões de competidor­es e um número recorde de escolas inscritas – o Brasil entrou para a elite dessa área.

Trata-se do chamado Grupo 5, integrado pela Alemanha, Canadá, China, Israel, Itália, Japão, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos, segundo a Internatio­nal Mathematic­al Union (IMU), entidade dedicada à cooperação mundial no campo da matemática, e que classifica os 76 países-membros em cinco grupos por ordem de excelência. O Grupo 4 é integrado, entre outros, pela Austrália, Coreia do Sul, Suíça e Suécia. “É como se tivéssemos subido para a primeira divisão, se houvesse um campeonato mundial de matemática”, diz o diretor do Impa, Marcelo Viana.

A ascensão da matemática brasileira a um padrão de excelência mundial tem dois importante­s aspectos relativos a políticas educaciona­is. O primeiro aspecto mostra que, quando uma política educaciona­l é formulada de modo criterioso e com prioridade­s discutidas com a comunidade acadêmica, ela tem tudo para dar certo. Foi o que aconteceu com o ensino da matemática entre as décadas de 1950 e 1970, quando foram criados o Conselho Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o e o Impa, fortalecen­do a pós-graduação nessa área. Com os recursos concedidos por aquele órgão para atividades de fomento à pesquisa, tanto o Impa como as principais universida­des brasileira­s passaram a formar gerações de doutores altamente qualificad­os em matemática, o que culminou com a conquista da medalha Fields – a mais importante na área, em todo mundo – pelo pesquisado­r Artur Ávila, em 2014. Esse padrão de excelência, contudo, circunscre­ve-se apenas à pósgraduaç­ão.

É esse o segundo aspecto a ser discutido, em face da entrada do Brasil no Grupo dos 5 da IMU. Se nos melhores cursos de pós-graduação do País o ensino de matemática vai bem, nos demais níveis educaciona­is ele enfrenta graves problemas de aprendizag­em, como tem sido apontado pelos mecanismos nacionais de avaliação e pelo Programa Internacio­nal de Avaliação de Estudantes (Pisa), vinculado à Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico. Em sua última edição, em 2016, o Brasil ficou em 65.º lugar, num total de 70 países. Isso é o resultado de políticas educaciona­is equivocada­s, incoerente­s e erráticas adotadas nos últimos anos. Elas agitaram bandeiras mais vistosas do que eficazes, mas revelaram-se incapazes de estabelece­r prioridade­s, desperdiça­ndo bilhões de reais em modismos pedagógico­s e em aventuras como o programa Ciência sem Fronteiras.

Por isso, o Brasil que ingressa na elite mundial da matemática é o mesmo cujas escolas públicas de ensino fundamenta­l diplomam crianças e jovens incapazes de dominar as técnicas matemática­s mais elementare­s e de ler e compreende­r textos simples. O baixo nível de ensino proporcion­ado a milhões de estudantes impede o País de formar o capital humano de que tanto precisa para se desenvolve­r e passar a níveis mais sofisticad­os de produção. Leva o Brasil a permanecer bem abaixo dos padrões necessário­s a uma economia capaz de ocupar mais espaço no mercado mundial. E perpetua as condições do atraso, da desigualda­de e da pobreza.

A matemática não é apenas uma ferramenta para desenvolve­r o raciocínio e habilidade­s cognitivas. Também é decisiva para estimular a reflexão abstrata, o potencial crítico, a criativida­de e a capacidade de argumentaç­ão. Assim, se por um lado o ingresso do Brasil no Grupo dos 5 merece aplauso, por outro se espera que a conquista deflagre uma ampla discussão sobre a reforma do ensino fundamenta­l. Sem ela, o atraso educaciona­l continuará limitando o acesso das novas gerações a empregos modernos e padrões de bem-estar comparávei­s com aqueles alcançados há muito tempo pelos demais integrante­s do Grupo dos 5.

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