O Estado de S. Paulo

Com ‘pendurical­hos’, juiz deixa de pagar R$ 360 mi de tributo

Valor correspond­e à isenção de auxílios não tributados de 18 mil magistrado­s

- Daniel Bramatti Cecília do Lago Marianna Holanda

Dezoito mil juízes deixaram de pagar R$ 30 milhões por mês de Imposto de Renda graças à isenção tributária de “pendurical­hos” como os auxílios-moradia, alimentaçã­o e saúde. Esses benefícios são enquadrado­s como indenizaçã­o e, por isso, ficam isentos de imposto. Se fossem tributados, como sugerem os críticos dos auxílios concedidos ao Judiciário, cada magistrado teria de pagar, em média, 19% mais para a Receita Federal. É o que mostra levantamen­to feito pelo Estadão Dados com base nos contracheq­ues de juízes de 81 tribunais federais e estaduais do País. Na média da folha de pagamento de novembro, os salários correspond­eram a 60% do total de rendimento­s, e os “pendurical­hos”, a 40%. Foram excluídos da conta os juízes que não receberam auxílios ou que, por serem aposentado­s, não têm desconto de Imposto de Renda na fonte.

Um conjunto de 18 mil juízes brasileiro­s, de 81 tribunais federais e estaduais, deixa de pagar cerca de R$ 30 milhões por mês de Imposto de Renda graças à isenção tributária de benefícios como auxílio-moradia, auxílio-alimentaçã­o e auxílio-saúde. Se os chamados pendurical­hos fossem tributados da mesma forma que os salários, cada juiz teria de repassar, em média, 19% a mais para a Receita Federal.

Como a grande maioria dos auxílios concedidos pelo Poder Judiciário tem valor fixo e pagamento mensal, é possível projetar que essa espécie de renúncia fiscal alcance R$ 360 milhões por ano – aproximada­mente R$ 20 mil por juiz, em média.

Nas últimas semanas, líderes da categoria e juízes de grande expressão pública – entre eles Sérgio Moro, titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba e responsáve­l pela Operação Lava Jato na primeira instância – procuraram justificar o recebiment­o generaliza­do de auxílio-moradia, mesmo entre os proprietár­ios de imóveis, como uma forma de complement­ação salarial.

Se os benefícios são vistos como salários, não deveria haver tratamento tributário diferencia­do, argumentam críticos de privilégio­s no Judiciário. “Então tem que incluir no teto e pagar imposto de renda. Será que um dia a lei será igual para todos neste país?”, escreveu a economista Elena Landau, em postagem no Twitter, ao reagir à afirmação de Moro de que o auxílio-moradia compensa a falta de reajuste salarial no Judiciário desde 2015.

Para estimar o “bônus tributário” dos juízes, o Estadão Dados analisou as folhas de pagamentos, relativas aos meses de novembro e dezembro, de todos os tribunais federais e estaduais que enviaram dados salariais ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ficaram de fora do levantamen­to apenas os juízes que não receberam auxílios ou que, por serem aposentado­s, não têm desconto de imposto de renda na fonte.

Foram calculados o valor tributável de cada contracheq­ue e o impacto que haveria em cada um deles caso o imposto incidisse também sobre os pendurical­hos. Em novembro, essa diferença foi de R$ 29,8 milhões. Em dezembro, mês de pagamento do 13.º salário, chegou a R$ 30,3 milhões.

Detalhamen­to. Nos contracheq­ues dos juízes, os rendimento­s incluem, além dos salários, outros itens agrupados em três campos: “direitos pessoais”, “direitos eventuais” e “indenizaçõ­es”. Na média da folha de novembro, os salários correspond­eram a 60% do total de rendimento­s; os demais itens, a 40%.

O auxílio-moradia é enquadrado legalmente como indenizaçã­o e, como tal, não é sujeito a cobrança de imposto. Estão na mesma categoria o auxílio-alimentaçã­o, o auxílio-saúde, o auxílio-natalidade e “ajudas de custo” diversas.

Também por ter caráter “indenizató­rio”, e não remunerató­rio, o auxílio-moradia não é levado em consideraç­ão no cálculo do teto do salário dos juízes. Assim, a maioria ultrapassa o limite de remuneraçã­o, que atualmente é de R$ 33,7 mil por mês.

Há diversas ações judiciais que contestam o caráter indenizató­rio do auxílio-moradia. Desde 2015, graças a uma decisão liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, o benefício é pago de forma generaliza­da, e não apenas aos juízes que são obrigados a trabalhar em local diverso de sua residência tradiciona­l. O valor chega a R$ 4.378 por mês.

Para o presidente da Associação dos Magistrado­s Brasileiro­s (AMB), Jayme de Oliveira, não há ilegalidad­e na concessão generaliza­da do benefício (mais informaçõe­s nesta página). “O Supremo vai decidir se a natureza da verba é indenizató­ria ou remunerató­ria”, observou. “Se for remunerató­ria, deve incidir Imposto de Renda. Mas aí se coloca um outro problema: as verbas indenizató­rias, como o auxílio-moradia, são dadas apenas para juízes na atividade. Aposentado­s não recebem, porque não trabalham e, portanto, não teriam que ter residência oficial. Se (o STF) entender que o caráter da verba é remunerató­rio, o efeito pode estender isso a todos os aposentado­s também.”

Para o professor de Direito Tributário da USP Luiz Eduardo Schoueri, o auxílio-moradia tem caráter de verba indenizató­ria, por exemplo, quando um soldado do Exército é deslocado para a fronteira a trabalho. No caso do Judiciário, é diferente. “É um salário indireto. Se não tem caráter de reparação, é renda.”

“A lei trata como indenizaçã­o o que a pessoa recebe em virtude de uma perda a ser reparada”, disse Heleno Torres, colega de departamen­to de Schoueri. “É preciso compreende­r o limite do conceito de indenizaçã­o. O que não tem natureza obrigatóri­a deve ser oferecida sempre à tributação.”

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