O Estado de S. Paulo

Apoteoses

- VERISSIMO LUIS FERNANDO VERISSIMO ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Aideia era cada um descrever o seu melhor momento. O ponto mais alto de sua vida, melhor do que tudo que viera antes e tudo que viria depois. Sua apoteose pessoal.

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Um contou que seu melhor momento fora terminar um elefante de argila numa aula de Trabalhos Manuais. Tinha sete ou oito anos. O elefante de argila ficara bom. Feito de memória, até que ficara muito bom. Nada na vida o deixara tão contente como aquele elefante de argila.

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Outra contou: “Foi a primeira vez que acertei um pudim. Minha mãe vivia dizendo que eu não acertava o pudim porque era muito nervosa. Fazia tudo certo, não errava nos ingredient­es, não errava na mistura, mas de alguma maneira meu nervosismo se transmitia ao pudim e o pudim desandava. O pudim também ficava nervoso. No dia em que acertei o pudim tive uma crise de choro. Saí da cozinha para não influencia­r o pudim, que poderia ter uma recaída. Mas na mesa, quando minha mãe disse ‘O pudim é da Bela’ e todo o mundo aplaudiu, meu Deus do céu. Nunca mais senti a mesma coisa. Nem quando nasceram os gêmeos. Nunca mais.”

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Já outra disse que nada se igualara a ter o primeiro filho. “Olha aí, até hoje não posso contar que me emociono. E o engraçado é que foi um sentimento extremamen­te egoísta. Me enterneci por mim mesma. Eu olhava aquela coisinha, tão bem feitinha, e me achava formidável, até ficava com ciúmes quando só elogiavam o bebê. Eu é que queria festa. Queria dizer ‘fui eu, fui eu, ele é apenas o produto da minha genialidad­e’. No meu marido, coitado, eu nem pensava. Ele não tinha nada a ver com aquilo. E eu não deixei ele acompanhar o parto. Sempre considerei pai acompanhan­do parto uma espécie de penetra. Alguém querendo participar de uma glória que não merece, como prefeito inaugurand­o obra da administra­ção anterior. A glória era só minha. Aliás, em todo o processo de procriação, parto, essas coisas, o homem é um penetra. Sem duplo sentido, claro. Meu melhor momento? O primeiro filho. Sem dúvida nenhuma, o primeiro filho... Depois o desgraçado cresceu e foi aquilo que todo o mundo sabe.”

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Outro contou que seu maior momento fora a vez em que acertara uma bicicleta no futebol. “Nunca tinha tentado uma bicicleta antes, mas do jeito que a bola veio não havia alternativ­a. Fechei os olhos e fiz o que tinha visto outros fazerem. Me atirei para trás, pedalei no ar e senti o segundo pé acertar a bola. Quando me levantei do chão vi que a bola tinha entrado no ângulo, bem no ângulo da goleira. Não havia plateia para aplaudir, era um jogo de praia. O goleiro adversário, ressentido, só disse ‘Sorte’.

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Depois foi a vez da Thaís, e a Thaís arrasou. Contou como foi sua apoteose. A justificat­iva da sua existência, o prêmio final por todo o seu empenho em viver com bom gosto e gastar o dinheiro do Gegê com inteligênc­ia. Foi a vez em que entrou no café do Hotel Carlyle, de Nova York, no meio do show do Bobby Short, acompanhad­a por uns brasileiro­s que nunca tinham conseguido entrar no lugar, e, quando a viu, o Bobby exclamou “Thaís!”.

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