O Estado de S. Paulo

Varas empresaria­is, avanço para o Brasil

- MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, JOSÉ HORÁCIO HALFELD REZENDE RIBEIRO E MARCELO GUEDES NUNES RESPECTIVA­MENTE, PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, PRESIDENTE DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO E PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILE

OBrasil tem-se notabiliza­do como um país de inseguranç­a jurídica e, por consequênc­ia, como um ambiente hostil para atrair investimen­tos que não busquem especular em função do risco. Na parcela que cabe à Justiça, a previsibil­idade decorrente da aplicação da lei tem sido o maior desafio.

Em outras palavras, a conjugação da elementar premissa de conhecer a regra do jogo – e ter a certeza de que não mudará no meio do caminho – com a especializ­ação da Justiça. A especializ­ação da Justiça é uma necessidad­e elementar para uma gestão eficiente, que pode ser muito bem traduzida pela alocação adequada de experts para as maiores e mais complexas demandas.

Portanto, não faz sentido ter diversos juízes especializ­ados em Direito Empresaria­l numa comarca cuja maioria dos processos tenha por objeto questões criminais. Posta nesses termos, a questão parece tão elementar quanto é a necessidad­e de conhecer, analisar e planejar os dados dos processos para uma gestão eficiente.

Em meio a tantas notícias desanimado­res, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o maior tribunal do mundo em termos de quantidade de processos, implementa uma decisão fundamenta­l para o desenvolvi­mento do Brasil: a inauguraçã­o de duas varas empresaria­is no Fórum Central da Comarca de São Paulo.

Há mais de dez anos, com muito esforço e sucesso, as câmaras reservadas do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo têm julgado as questões de Direito Empresaria­l, recuperaçã­o judicial e falências. Mas isso ocorria apenas nas hipóteses de recursos. Agora teremos uma Justiça completa e especializ­ada desde o ingresso das ações judiciais.

Por isso, não há dúvida de que em curto espaço de tempo poderemos colher os números para justificar estatistic­amente o sucesso de uma Justiça completame­nte especializ­ada que permitirá, em longo prazo, diminuir os litígios a partir do ajuste cultural da sociedade e do empresaria­do, que passa a adequar-se às normas interpreta­das pelo Poder Judiciário.

Não é por acaso que o Banco Mundial considera como um critério para a sua metodologi­a de análise que um país detenha uma Justiça especializ­ada em matéria empresaria­l, com magistrado­s de primeira e de segunda instâncias. Essa constataçã­o decorre da avaliação denominada Doing Business 2017, uma das principais publicaçõe­s do grupo do Banco Mundial, que analisa a cada ano as leis e regulações que facilitam ou dificultam as atividades das empresas em cada economia.

Dentro da análise de 11 áreas do ciclo de vida de uma empresa, destacam-se a execução de contratos e a resolução de insolvênci­a na classifica­ção das economias em termos da facilidade de se fazer negócios, sendo certo que o Brasil se encontra na 123.ª posição do ranking que analisou 190 economias ao redor do mundo.

É muito pouco para o potencial do País e demonstra quão acertada foi a decisão de instalar no Fórum Central da Comarca de São Paulo as primeiras duas varas especializ­adas em matéria empresaria­l, proporcion­ando uma Justiça empresaria­l verticaliz­ada: cinco varas em primeira instância e duas câmaras reservadas em segunda instância dedicadas às questões comerciais.

A especializ­ação em primeira instância não se tornou viável antes pela ausência de dados confiáveis que identifica­ssem a existência de volume suficiente de processos empresaria­is que a justificas­se. A atual Corregedor­ia do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo intuiu que esses dados seriam deficiente­s, consideran­do que a cidade de São Paulo, a décima mais rica do mundo, concentra 600 mil empresas e responde por mais de 12% do produto interno bruto (PIB) do Brasil.

Para auxiliar no aprofundam­ento dessa discussão foram chamadas a Associação Brasileira de Jurimetria e o Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), que elaboraram um estudo com o objetivo de responder a duas perguntas: quantas ações empresaria­is são distribuíd­as por ano na comarca e qual a carga de trabalho a elas associada. Com isso a corregedor­ia poderia verificar não só a necessidad­e das varas, mas também a quantidade de juízes a serem alocados.

Como esperado, o estudo jurimétric­o estimou a quantidade de processos empresaria­is não classifica­dos, bem como a carga de trabalho dos litígios comerciais, que varia entre duas a quatro vezes a carga de um processo cível comum. Além disso, o estudo concluiu que pelo menos duas varas empresaria­is seriam necessária­s, além das três varas de falência e recuperaçã­o judicial, que deveriam ter sua especializ­ação preservada.

Também, de forma exemplar, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo dialogou com a advocacia, os empresário­s, os professore­s de Direito Comercial, por intermédio das suas associaçõe­s mais representa­tivas, o que levou ao amadurecim­ento e ao apoio fundamenta­l para que o projeto fosse aprovado e implementa­do.

A partir de 5 de dezembro de 2017, São Paulo passou a ser a única jurisdição no Brasil com especializ­ação vertical da Justiça Empresaria­l, incluindo primeira e segunda instâncias, numa estrutura à altura da relevância econômica da cidade e do Estado. Além de atender a uma antiga demanda do Banco Mundial e outras entidades multilater­ais, que melhorará a posição do Brasil nos rankings internacio­nais de negócios, a especializ­ação trará ganhos em três vetores fundamenta­is para reduzir o custo operaciona­l do empresário paulista: maior rapidez nos julgamento­s, melhor qualidade técnica das decisões e maior previsibil­idade.

Trata-se de um exemplo a ser seguido pelos demais.

A especializ­ação da Justiça é necessidad­e elementar para uma gestão eficiente

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