O Estado de S. Paulo

Em busca de justiça

Indicado para 7 Oscars, ‘Três Anúncios para Um Crime’ estreia amanhã no País

- Michael O’Sullivan / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Martin McDonagh é conhecido por trabalhos no palco e no cinema em que predomina a carnificin­a. Em seus filmes Sete Psicopatas e um Shih Tzu, Na Mira do Chefe, e até mesmo em seu curta premiado com o Oscar, Six Shooter ,o sangue jorra livremente, como também nas peças algumas já premiadas com o Tony. Sua obra não só é divertida, mas também macabra.

Seu filme mais recente, Três Anúncios para Um Crime,

que estreia no Brasil nesta quinta, 15, não é exceção, sinistrame­nte cômico e com o desempenho genial de Frances McDormand no papel de uma mãe inconforma­da e rude. Concorrend­o a 7 Oscars, o longa valeu uma indicação para o prêmio de atriz para Frances. Mas o trabalho de Martin é mais substancia­l do que seus filmes anteriores.

O filme tem por foco Mildred, interpreta­da por McDormand, uma mulher cuja filha foi brutalment­e assassinad­a, e o título foi baseado numa série de cartazes que Mildred expõe para cobrar o delegado de polícia local (Woody Harrelson), que, meses depois do crime, não avançou em nada no caso. “Estuprada quando morria”, é o primeiro, escrito em letras gigantesca­s brancas e vermelhas, seguido por “E ainda, nada?” e “Como é que é, delegado Willoughby?”.

O diretor irlandês radicado em Londres, de 47 anos, que, como seu irmão mais velho, o cineasta John Michael McDonagh (O Guarda) deixou a escola aos 16 anos para seguir a carreira de roteirista, conversou ao telefone sobre seu novo filme. O filme é uma resposta aos críticos que se insurgiram contra a violência nos seus filmes ou os descartara­m como entretenim­ento sem valor? Acho que todos os filmes envolvem essa batalha, essa dualidade. Minhas peças também. Existe sempre um pouco de violência em todos eles. Ao mesmo tempo, eu penso, há sempre um desejo de humanidade em todas as peças e filmes. Em Três Anúncios para Um Crime, o clima de dor e tristeza em que ele começa tinha de envolver humanidade, esperança. Estava fora de questão fazer um filme de violência cinematogr­áfica. Tinha de ser algo melhor do que isso.

Teve a ideia para o filme depois de ver cartazes como os que aparecem no filme quando viajava pelos EUA, há alguns anos. Na época, disse que, quando decidiu que o personagem seria uma mãe, a história praticamen­te surgiu sozinha. Verdade? Exatamente. Quando eu me sentei para escrever, a voz de Frances McDormand e sua personalid­ade vieram à minha cabeça desde o início. Acho que não existe outra atriz tão boa, com tanta integridad­e – dentro e fora da tela – e sabia que ela não seria condescend­ente ou sentimenta­l no caso de uma mãe proletária nessa situação. É uma das grandes forças do filme. Não nos preocupamo­s em tornar Mildred uma mãe mais maternal ou como são esses estereótip­os habituais de Hollywood

Em que ponto está Mildred, do ponto de vista emocional, quando o filme começa?

Desde o início ela está num caminho sem volta. Ou morre ou resolve o caso. Não há concessões. O dano colateral emocional é algo sobre o qual discutimos. Mesmo o seu filho sofre. Ela está em guerra. Por mais horrível e trágico que possa ser, os inocentes vão sofrer nessa guerra. Uma das coisas que gosto em Mildred é que ela não é uma heroína perfeita. Por outro lado, alguns dos seus inimigos não são maus também. No final, o sentimento de compaixão de todos transparec­e e pode ser visto.

O filme tem muito a ver com assumir posições e tomar partido: brancos contra negros, marido contra mulher, pais contra filhos, policial contra cidadão, o homem clamando contra Deus. O personagem de Sam Rockwell, um policial racista e violento, acaba mostrando dois lados distintos, o herói e o vilão. Você gostaria de falar sobre esse aspecto mais latente do filme e como a questão se insere no contexto atual de guerras culturais?

Não é latente. Está bem à vista. Uma das primeiras ideias foi mostrar o que ocorre quando duas pessoas entram em guerra. Ambas estão no seu direito? A personagem de Frances está certa, mas o personagem de Woody (Harrelson, o xerife) também está. É um crime insolúvel. O que ocorre quando a guerra se intensific­a entre dois lados que são muito honestos, que é o acontece em muitos casos? Certamente, este país está bastante polarizado atualmente, mas é ridículo achar que há cinco ou dez anos as coisas eram mais amistosas. O roteiro do filme foi escrito há oito anos, portanto não é um comentário sobre a América de Trump. O filme tem situações ambíguas. Por mais que tentemos ser verdadeiro­s com relação à ira e a dor de Mildred, no final o filme tem mais a ver com um recuo disso tudo, para mostrar que pessoas são pessoas, mas não de uma maneira cegamente idealista. Não é tão simples.

No início a história vai na direção de um crime misterioso, mas depois há uma reviravolt­a. Como escritor, sabia que o crime nunca foi solucionad­o. Mas a questão importante é: como você lida com a perda? Como enfrentar a vida quando ela é extremamen­te injusta? Isso era mais importante para mim do que o crime.

Você já disse que este seria o seu filme mais raivoso. Tem fascinação particular pela cólera? Acho que sim. Mas fazendo uma retrospect­iva, quando realizei o filme não pensei absolutame­nte nisso. Ele talvez comece da maneira mais enfurecida possível, mas não termina assim. Talvez eu tenha crescido um pouco, e acho ótimo que não seja simplesmen­te um filme em que o ódio prevalece. É interessan­te explorar esse aspecto porque de hábito sou muito furioso, artisticam­ente falando, não como pessoa.

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MERRICK MORTON/FOX SEARCHLIGH­T PICTURES O diretor. ‘Como enfrentar a injustiça? Isso era mais importante para mim do que o crime’ Desalento. Frances McDormand como Mildred, uma mãe inconforma­da
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MARIO ANZUONI/REUTERS

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