O Estado de S. Paulo

Coma enquanto estiver bom

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No futuro próximo, poderemos encontrar rótulos que recomendem “melhor comer após”. É o caso de alguns queijos e embutidos não fracionado­s, e que só têm a ganhar em qualidade se forem armazenado­s em condições adequadas por mais tempo. Ou de certos picles, méis e conservas, ou ainda de carnes que possam ser maturadas, inclusive dentro de uma embalagem.

Mas, em geral, a tendência é que deve passar a prevalecer, na maioria das rotulagens, o conceito do “coma enquanto estiver bom”, complement­ado por algumas dicas simples de boas práticas.

No último ano, pelo menos seis grandes estudos de abrangênci­a internacio­nal buscaram entender o real impacto das datas, fora a de produção, nas embalagens de comida. Ressalvada­s as diferenças entre países, todos concluem que as orientaçõe­s atuais para a grande maioria dos produtos – os não perecíveis – têm efeito indesejado. Por um lado, contribuem para parcela expressiva do desperdíci­o, gerando em alguns países ou produtos até 50% da perda total. Por outro, acabam paradoxalm­ente aumentando a inseguranç­a sanitária, ao confundir o consumidor: relativiza­m a importânci­a de advertênci­as mais peremptóri­as nos produtos altamente perecíveis.

Em países desenvolvi­dos, mais da metade dos consumidor­es não se atenta para a diferença entre os alertas. Há os que jogam fora tudo ao atingir qualquer data que conste da embalagem, enquanto os que perderam a confiança nas datas consomem até quando houver risco de contaminaç­ão por agentes patógenos. Como dizem, o tal do “best before” desmoraliz­ou o “use by”.

No Brasil, pior ainda: nossa norma permite usar um leque de nove expressões diferentes que, como a data, são escolhidas por cada produtor. Assim, no mesmo produto, dependendo da marca, posso encontrar um “consumir preferenci­almente antes de 30 de maio” ou um “vence em 30 de abril”. Confusão inevitável, prejuízos também.

O tema chega aos tomadores de decisão: legislador­es alemães e california­nos cogitam a eliminação das datas, enquanto a indústria privada entendeu que é melhor se antecipar às leis: 400 das principais empresas do mundo, reunidas no Consumer Goods Forum, acabam de assumir prazo até 2020 para adotar novos padrões globais. E, principalm­ente, passar a tratar o consumidor como adulto. Isso significa orientá-lo sobre fatores que influencia­m tanto sobre a qualidade quanto sobre a segurança. Mais impactante­s são as variáveis como tecnologia de embalagem, ambiente em que o produto é estocado antes e pós-venda, sua exposição a temperatur­a, luz e umidade, sua proximidad­e com produtos fora da embalagem, assim como os cuidados de conservaçã­o após a abertura da embalagem. Os estudos concluem que etapa essencial do cozinhar é aquela de aprender a rotina de uma análise visual, olfativa e tátil do ingredient­e. Outra é a de recomendar de forma simples, no rótulo, as melhores práticas para conservar aquele produto.

A tecnologia de embalagem pode contribuir a diminuir o desperdíci­o e aumentar a segurança: é o que aponta a experiênci­a da Noruega, que reduziu em mais de um quarto a carne fresca que vai para o lixo após a adoção de um gás com menos oxigênio na embalagem de atmosfera modificada. Alta adição de oxigênio mantém viva a cor vermelha da carne, mas reduz sua vida útil. Pior, faz aparecer o tom marrom, durante o cozimento, em temperatur­a mais baixa: confunde assim o cozinheiro sobre o nível de cocção, o que pode resultar em menor segurança.

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FILIPE ARAÚJO/ESTADÃO Análise. Visual, olfativa e tátil antes de olhar a data de validade
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