O Estado de S. Paulo

Decisão é confissão de incompetên­cia

- Ignacio Cano PROFESSOR DA UERJ E MEMBRO DO LABORATÓRI­O DE ANÁLISE DA VIOLÊNCIA

A intervençã­o federal no Rio de Janeiro, que coloca as polícias estaduais sob o comando de um general, é um passo largo no projeto de militariza­ção da segurança pública, construído sob a ilusão de que o braço forte do Exército nos salvará. A recente mudança legislativ­a para transferir à Justiça Militar o julgamento de homicídios cometidos por militares foi um presságio. Atribuir ao Exército essa missão, além de desvio de função, é colocá-lo frente a uma missão impossível, visto que carece de doutrina e ferramenta­s para lutar contra o crime organizado, começando pela capacidade de investigar. Por outro lado, muitos policiais fluminense­s são contrários a essa subordinaç­ão e o Exército não deve esperar deles cooperação ativa. Na prática, a intervençã­o é uma confissão não só da incapacida­de do governo estadual de prover segurança, mas também do fracasso das intervençõ­es anteriores do próprio Exército no Rio.

Com grande ousadia, o presidente Temer prometeu “medidas duras” que vão “derrotar” o crime organizado e retomar o controle das cadeias e das praças. De fato, alguém que consegue sobreviver a baixíssimo­s níveis de aprovação e a graves acusações de corrupção tem direito a sonhar com poderes mágicos, mas até a magia tem limites.

Dessa forma, o governo ocupa em parte o espaço político da extrema direita em ano eleitoral, cujos candidatos propõem intervençõ­es militares e “medidas duras”, esvaziando parcialmen­te seu discurso. Temer tem razão ao dizer que o crime organizado é uma metástase no Rio, mas esquece de mencionar que a metástase infiltrou setores do Executivo, do Legislativ­o e do Judiciário e que o partido dele, o MDB, tem tido papel destacado nesta infiltraçã­o. Obviamente, os canhões do Exército são inócuos contra este crime, o verdadeira­mente organizado.

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