O Estado de S. Paulo

O momento pedia este tipo de medida?

- É PROFESSORA DO DEPARTAMEN­TO DE SEGURANÇA PÚBLICA DA UNIVERSIDA­DE FEDERAL FLUMINENSE (UFF)

Eliézer Rizzo de Oliveira Sim

A adoção dessa medida não constitui uma novidade, mas um passo lógico porque as modalidade­s anteriores não deram certo. A verdade é que no carnaval a crise de segurança no Rio mostrou o seu ápice, além de vermos claramente um quadro de guerrilha urbana muito bem definido, e com relatos que se multiplica­m pelas redes sociais. Agora, vamos ter a atuação de uma antiguerri­lha urbana, mas ninguém sabe ao certo como isso vai ocorrer.

Penso que nada vai dar certo sem a cooperação das polícias fluminense­s, esse comportame­nto será determinan­te. Quem conhece o terreno e as circunstân­cias da segurança no Estado é a polícia de lá, e a atuação federal deverá ter uma atenção a esse relacionam­ento. Por outro lado, as forças policiais têm demandas muito específica­s: há poucos meses, por exemplo, estavam com salários atrasados.

Os primeiros dias de funcioname­nto da intervençã­o é que vão nos dizer para onde isso está indo. Da parte da criminalid­ade, o que pode ser esperado, inicialmen­te, é um recuo. Foi o que aconteceu quando as UPPs (Unidades de Polícia

Pacificado­ra) foram instaladas: determinad­as áreas foram tomadas e a criminalid­ade se escondeu. Mas voltaram quando acharam que o momento era o mais adequado.

Então, podemos esperar primeiro uma sensa- ção de paz pela presença das Forças Armadas e por tal recuo, mas é impossível cercar todo o Rio e pegar todos. Como o Exército vai atuar, com qual poder de polícia?

Do lado criminoso, sabemos que há a grande tentação em agir como se fosse uma guerra, mas não podemos esperar o mesmo comporta- mento dos militares, que não poderão sujar a farda com qualquer desrespeit­o aos direitos hu- manos. Não é uma medida a ser vista com ale- gria, mas com realismo. Numa situação de crise foi tomada uma medida extrema e ela tem a obrigação de dar certo. Mas, e se não der, o que virá depois? É CIENTISTA POLÍTICO, PROFESSOR APOSENTADO DA UNICAMP E MEMBRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DE DEFESA

Jacqueline Muniz Não

A intervençã­o federal foi sendo longamente construída, com a criação do ambiente para tal. Primeiro porque o Rio convive com intervençõ­es veladas com frequência desde o início dos anos 90, no governo Brizola, e por meio de sucessivas operações de Garantia da Lei e da Ordem, que se repetiram ao longo dos anos 2000. Segundo porque é base das mais importante­s sedes das Forças Armadas em todo o Brasil, herança de uma cidade que foi capital federal. Terceiro porque o que vimos no carnaval foram crimes de oportunida­de, como arrastão em Ipanema, situação para a qual a polícia fluminense é mais reconhecid­a por atuar com eficácia. São crimes de fácil resolução e de fácil prevenção por meio de policiamen­to ostensivo e que pouco dialogam com as caracterís­ticas gerais predominan­tes do crime organizado. Quarto porque o Rio é um tambor: tudo que acontece aqui tem repercussã­o nacional e internacio­nal, o que faz da cidade palco propício para se produzir marketing para atores com capitais políticos defasados.

Já experiment­amos ocupações militares inspiradas em missões de paz, com as UPPs, que eram destacamen­tos militares em regime de exceção para produzir paz. O sistema foi sabotado por dentro pelo próprio governo e substituíd­o por um policiamen­to baseado em operações, que, na base do confronto, são mais visíveis.

O Rio tem um tipo de criminalid­ade dividida entre franquias ocupaciona­is, sem existência de monopólio – como o PCC em São Paulo –, e que, portanto, é mais fácil de ser combatido por atividades setoriais, com atuação de investigaç­ão, inteligênc­ia e perícia, com um conjunto de práticas em vez de pirotecnia. Se é uma ação contra o crime organizado, por que não chega a outros Estados?

A intervençã­o é uma fantasia que atende a razões políticas que não estão transparen­tes para a população. Sobre as outras operações militares, quais foram os resultados e os custos? Sem um plano de atuação para ser apresentad­o, o temor é agravado e o horizonte é de ameaças.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil