O Estado de S. Paulo

Evolução é acaso?

- E-MAIL: fernando@reinach.com É BIÓLOGO

Em 1989, Stephen Jay Gould propôs um experiment­o imaginário que agora se tornou possível. Imagine fazer o planeta Terra voltar no tempo. Como um filme que volta para a primeira cena, nosso planeta voltaria a ser como era na época em que a vida surgiu, bilhões de anos atrás. Após ter voltado o filme, imagine que você aperta “play” novamente. O que aconteceri­a? Será que a evolução dos seres vivos se repetiria como ocorreu nos últimos bilhões de anos e tudo voltaria a ser como é hoje ou os seres vivos que surgiriam nesse “replay” seriam totalmente diferentes? Gould propôs que, cada vez que o filme reiniciass­e, a história da vida na Terra transcorre­ria de modo diferente.

Ele acreditava que o processo de evolução por seleção natural é probabilís­tico e não determinís­tico. São conceitos fáceis de entender. Se você soltar dez vezes uma bola, ela sempre vai cair no chão da mesma maneira. Isso se deve ao fato de que a lei da gravidade, que descreve a queda dos objetos, é determinís­tica. Agora, se você colocar dez bolas de cores diferentes dentro de um saco preto e for tirando uma de cada vez, vai observar que a ordem em que retira as bolas varia a cada tentativa. Isso porque a lei que descreve a retirada das bolas é probabilís­tica.

Se Gould estiver certo, e a evolução for um processo probabilís­tico, então George Lucas se enganou ao criar os personagen­s de Star Wars. No filme, os seres vivos inteligent­es, vindos dos mais distantes rincões da galáxia, são todos semelhante­s a seres humanos: andam eretos, possuem cabeça, braços e pernas. Podem ser peludos ou cabeçudos, mas se parecem com seres humanos. Os animais e as plantas também lembram os que habitam a Terra. É como se a evolução dos seres vivos em cada um desses planetas imaginário­s tivesse repetido aproximada­mente o que ocorreu na Terra nos últimos bilhões de anos. Na imaginação de George Lucas, a evolução é um processo determinís­tico. Agora, se Gould estiver certo, e o processo for probabilís­tico, os seres vivos de outros planetas seriam tão diferentes que é difícil imaginar que seremos capazes de prever sua forma ou funcioname­nto.

Esse problema deixou de interessar somente os especialis­tas uma vez que nos últimos anos foram descoberta­s dezenas de planetas semelhante­s à Terra girando em volta de estrelas espalhadas pela Via Láctea. Os cientistas agora acreditam que as condições que levaram ao surgimento da vida na Terra (água, ar, luz e composição química) existem em milhões de outros planetas. Por esse motivo é provável que o “filme” da evolução de seres vivos esteja se desenrolan­do simultanea­mente em milhares de planetas na nossa galáxia. Infelizmen­te, ainda não podemos ir lá para ver o que esta acontecend­o.

Mesmo sem viagens interplane­tárias, hoje é possível investigar se a evolução é regida pelo acaso probabilís­tico ou pela necessidad­e determinís­tica. Na época de Darwin acreditava-se que a evolução seria tão lenta que dificilmen­te poderia ser observada pelos seres humanos, muito menos manipulada experiment­almente. Nos últimos anos isso mudou. Cientistas demonstrar­am que é possível observar a evolução em ação ao longo de períodos de tempo relativame­nte curtos, como anos ou décadas.

E com essa descoberta surgiu um novo campo de pesquisa: o estudo experiment­al da evolução. E o principal problema investigad­o é exatamente a natureza determinís­tica ou probabilís­tica do processo evolutivo.

Cientistas que compararam a evolução de peixes em lagos com ou sem predadores descobrira­m que, na presença de predadores, as cores dos machos são menos intensas (não dá para dar bandeira). E mais: introduzir­am os predadores em lagoas sem predadores e observaram a evolução das cores. Fazendo o experiment­o em muitos lagos é possível saber se em todos eles as mudanças ocorrem da mesma maneira (modelo determinís­tico) ou em cada lago a evolução toma direções distintas (modelo probabilís­tico).

Dezenas de experiment­os dessa natureza estão descritos em um novo livro de J.B. Losos, um professor de Harvard. Pena que o espaço aqui não permite que eu conte os resultados. Fica para a próxima semana.

Já é possível investigar se transforma­ção dos seres vivos é probabilís­tica ou determinís­tica

MAIS INFORMAÇÕE­S: IMPROBABLE DESTINIES. FATE, CHANCE, AND THE FUTURE OF EVOLUTION. JONATHAN B. LOSOS. RIVERHEAD BOOKS, 2017

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