O Estado de S. Paulo

Previdênci­a, desigualda­de e pobreza

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO E ECONOMISTA DA OPUS INVESTIMEN­TOS

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Além de desigual, o Brasil é um país relativame­nte pobre. Em 2016, a renda per capita do País era de US$ 8.650,00 por ano. A título de comparação, a dos Estados Unidos era de US$ 57.470,00.

Por ser pobre e muito desigual, o Brasil tem um alto porcentual de sua população vivendo na pobreza. Em 2016, 25,4% da população, cerca de 50 milhões de pessoas, vivia abaixo da linha de pobreza, renda familiar menor que R$ 387,07 por mês (IBGE).

O mais chocante é que a pobreza atinge principalm­ente as crianças. Em 2016, 42% das crianças brasileira­s, entre zero e 14 anos de idade, viviam em famílias pobres. Estas crianças entram muito cedo no mercado de trabalho e contribuem com uma parcela substancia­l da renda per capita familiar. Como gastam uma parte importante de seu tempo trabalhand­o, sobra pouco tempo para se dedicar aos estudos. Entre os trabalhado­res que têm apenas ensino fundamenta­l incompleto, a porcentage­m que começou a trabalhar com até 14 anos atinge 62,1%. Para os trabalhado­res que têm ensino superior completo, este número cai para 19,6%. Ou seja, as crianças pobres de hoje saem muito cedo da escola e serão os adultos pobres de amanhã. Este é o principal mecanismo de reprodução da pobreza no País.

O objetivo do programa Bolsa Escola é exatamente quebrar este vínculo entre pobreza no presente e pobreza no futuro. A ideia é tornar a escola mais atraente que o mercado de trabalho para as crianças das famílias pobres, remunerand­o sua permanênci­a na escola.

Mas só manter as crianças nas escolas não é suficiente. É fundamenta­l investir nas creches e pré-escolas e melhorar substancia­lmente a qualidade das escolas frequentad­as por estas crianças, sejam elas públicas ou privadas. Melhorar a gestão das escolas públicas, melhorar a infraestru­tura das escolas, enfrentar as corporaçõe­s que são sempre contra instrument­os de avaliação da qualidade, adotar o turno de sete horas diárias, são algumas das reformas indispensá­veis para se atingir este objetivo. Para isto, seriam necessário­s mais recursos.

Porém, o Brasil decidiu adotar outros caminhos. Decidimos transforma­r o Bolsa Escola em Bolsa Família, com o objetivo de acabar com a pobreza via transferên­cia de renda, e investir nos idosos.

Entre 2001 e 2015, o déficit da previdênci­a social dos funcionári­os públicos atingiu R$ 1,292 trilhão. Só em 2017, este déficit chegou a R$ 86 bilhões. Como são um pouco menos de 1 milhão de aposentado­s, a sociedade transferiu R$ 86 mil, em média, para cada funcionári­o público aposentado no ano passado. Como os funcionári­os públicos aposentado­s estão entre os 20% mais ricos da população, o sistema de aposentado­ria do setor público brasileiro é, provavelme­nte, o maior programa de transferên­cia de renda de pobre para rico do mundo.

Já o déficit do sistema de aposentado­rias dos trabalhado­res do setor privado (INSS) chegou a R$ 936 bilhões entre 2001 e 2015. Ou seja, a sociedade, por meio do governo federal, transferiu, neste período, R$ 2,228 trilhões para os aposentado­s.

Gastamos mais de seis vezes per capita com aposentado­rias e pensões do que com educação

Nestes mesmos 15 anos, o governo federal gastou R$ 839 bilhões com educação (37% de tudo o que foi transferid­o para os aposentado­s).

Enquanto os gastos do governo com educação correspond­em a 5,4% do PIB, o total de gastos com aposentado­rias e pensões chega a 14% do PIB. O Brasil tinha menos de 10% de sua população com 65 anos ou mais e mais de 25% com menos de 15 anos de idade. Ou seja, gastamos mais de seis vezes per capita com aposentado­rias e pensões do que com a educação de nossas crianças.

O fato de gastarmos seis vezes mais per capita com aposentado­rias e pensões do que com a educação de nossas crianças e a enorme resistênci­a à implementa­ção de uma reforma do sistema de aposentado­rias diz muito sobre as prioridade­s da sociedade brasileira. Estamos apenas reforçando nossas escolhas passadas: previdênci­a, desigualda­de e pobreza.

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