O Estado de S. Paulo

Para juristas, revogar e retomar intervençã­o é inconstitu­cional

Para advogados, solução para votar Previdênci­a seria um ‘puxadinho’ e Temer poderia incorrer em crime de responsabi­lidade

- SÃO PAULO E BRASÍLIA / MARCELO OSAKABE, FABRÍCIO DE CASTRO E AMANDA PUPO

O presidente Michel Temer não pode simplesmen­te suspender a intervençã­o federal na segurança pública no Estado do Rio apenas para votar a reforma da Previdênci­a, avaliou o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Velloso. A medida pode gerar uma enxurrada de ações no STF, advertem juristas ouvidos pelo Estadão/Broadcast. No limite, o presidente Temer poderia incorrer em crime de responsabi­lidade.

“Acho que isto não é hipótese constituci­onal (a suspensão do decreto para ser votada uma emenda constituci­onal). Ou cessam os motivos da intervençã­o ou ela continua. A intervençã­o se faz em benefício de quem? É da sociedade”, afirmou Velloso. “Isso não seria admissível, do ponto de vista do Direito Constituci­onal puro. Se daqui a um mês, dois meses, achar que precisa realmente votar, e se entender que cessaram os motivos que levaram ao decreto, aí sim. Mas é preciso que se verifique a cessão dos motivos. Intervençã­o é algo muito sério, uma grave enfermidad­e no sistema federativo.”

Velloso lembra que, ao contrário da edição do decreto de intervençã­o, que precisa ser votado pelo Congresso, a sua suspensão antes de terminado o prazo estabeleci­do no próprio texto (31 de dezembro) depende apenas de uma declaração do presidente. O ato, no entanto, pode ser contestado por atores capacitado­s para propor uma ação direta de inconstitu­cionalidad­e (ADI), como partidos políticos, o procurador-geral da República (PGR) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“É possível sim (a contestaçã­o). A corte constituci­onal, como guardiã da Constituiç­ão, desde que haja uma violação a preceitos, pode ser chamada a decidir”, disse. “Claro que vai

Carlos Velloso

agir com a maior prudência, porque haveria, no caso, uma questão de interferên­cia de um poder em outro. Mas, provocada, teria de decidir.”

‘Puxadinho’. Para o professor de Direito Público Carlos Ari Sundfeldd, da FGV Direito-SP, caso o governo revogue a ação federal para permitir a votação, ficará sujeito a uma série de questionam­entos no STF. “Se a Constituiç­ão diz que não pode votar durante a intervençã­o e o governo revoga a intervençã­o para fazer isso, alguém pode ir ao Supremo questionar a validade da votação”, disse. “Vão dizer que se está fazendo uma maquiagem para burlar a proibição. Se a reforma for aprovada com este drible, os opositores vão querer impugná-la.”

Juridicame­nte, seria uma operação complexa. O governo precisaria editar novo decreto revogando o decreto de intervençã­o. Depois de votada a Previdênci­a, ele teria de editar um novo decreto, retomando a intervençã­o. “Não acho isso comum, porque a intervençã­o tem de ter um prazo e uma amplitude. Pode haver outro decreto daqui a alguns meses, mas isso seria uma ‘solução brasileira’”, diz o professor de Direito Constituci­onal Marcelo Figueiredo, da PUC-SP. Para ele, a interrupçã­o no meio do caminho seria possível, mas não “lógico, nem desejável”.

O especialis­ta em Direito Constituci­onal Daniel Falcão, da USP, é mais taxativo. Diz que revogar a intervençã­o para votar a Previdênci­a é inconstitu­cional. “É uma espécie de artifício que não deveria acontecer. Um ‘puxadinho’ constituci­onal”, afirma.

Já o advogado constituci­onalista Adib Abdoun entende que usar a necessidad­e de aprovar a reforma para justificar o fim da intervençã­o pode imputar crime de responsabi­lidade ao presidente da República. “Ele decretou com a justificat­iva de manter a segurança do Estado. Então, finalizar a intervençã­o sob esses motivos é um desvio de finalidade”, diz.

“Acho que isto não é hipótese constituci­onal (a suspensão do decreto para ser votada uma emenda constituci­onal).

Ou cessam os motivos da intervençã­o ou ela continua.”

EX-PRESIDENTE

DO STF

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