O Estado de S. Paulo

‘Melhora da economia pode ter fôlego curto’

Para economista, sem a reforma da Previdênci­a, quadro ruim das políticas públicas visto hoje no País tende a se agravar

- Renée Pereira

O economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, afirma que uma possível suspensão da reforma da Previdênci­a por causa da intervençã­o no Rio deve agravar ainda mais o quadro de degradação da política pública. Na avaliação dele, as consequênc­ias da falta de reformas (especialme­nte a previdenci­ária) já estão espalhadas pelo Brasil inteiro, com a piora da segurança pública e a infraestru­tura precária. “É um quadro que já está aí e vai se agravar. Haverá piora progressiv­a da qualidade da política pública.”

A avaliação do mercado é que a intervençã­o no Rio deve enterrar a reforma da Previdênci­a. Quais os reflexos disso?

Está cada dia mais difícil. Quanto mais se demora para fazer as reformas necessária­s, maior é o quadro de degradação da política pública. A segurança falha (como no Rio); a manutenção de viadutos não é feita; problemas de infraestru­tura em vários lugares vão surgindo, como falta de acesso à água; há atraso de salários, de aposentado­rias e de pagamento de fornecedor­es.

Há um prazo limite para se fazer a reforma da Previdênci­a? Nãoéqu eh aja umada ta limite, masa medida que você não faz as reformas– eaP revi dênciaé amais importante –, o dinheiro vai acabando e você tem de cortar em algum lugar. E começam cortando a manutenção. O que vai ocorrer é que, na medida que o dinheiro vai acabando, você vai cortando ciência e tecnologia, manutenção de estrada, investimen­to em saneamento. Os relatos estão pipocando e estamos vendo uma série de casos espalhados pelo Brasil, com uma infraestru­tura deficiente.

A tendência é piorar?

É um quadro que já está aí e que vai se agravar. Haverá uma piora progressiv­a na qualidade da política pública com a falta do dinheiro. Quando você para de fazer manutenção em estradas e em saneamento, você está criando um problema para o futuro. O viaduto que caiu (semana passada) em Brasília não é resultado de apenas um ano sem investimen­to, mas de vários. Sem dinheiro, corta-se a manutenção. Já estamos vendo as consequênc­ias da crise fiscal. A degradação da violência e das estradas é o retrato disso.

E onde isso pode chegar?

O que tem agora é o debate em torno da regra de ouro. Chega uma hora em que a despesa obrigatóri­a do governo federal fica maior que a receita corrente líquida. Se não há recursos extraordin­ários, como os do BNDES neste ano, o governo precisa de empréstimo para pagar a despesa corrente. No fundo, ele estará tomando empréstimo para pagar a Previdênci­a. A regra de ouro proíbe essa prática. Se começa a fazer isso, perde-se o controle. É insustentá­vel a médio prazo.

Deixar a reforma para o próximo governo significar­ia ter uma reforma mais rígida?

Vai ser cada vez pior. O gasto da Previdênci­a cresce acima do PIB por causa do envelhecim­ento da população. Quanto mais demora, mais grave fica o quadro. A questão é que, embora a Previdênci­a seja a mais importante, é preciso fazer outras coisas para equilibrar as contas públicas.

A retomada econômica pode ser interrompi­da?

De um ano e meio para cá, houve uma inflexão grande da política econômica, que terminou com maior responsabi­lidade para enfrentar o problema fiscal. Teve a PEC do Teto, a reforma trabalhist­a, melhora na governança da Petrobrás e da Caixa. Houve uma agenda importante que permitiu a queda dos juros e da inflação. Na hora que houve melhora na condição da política econômica, o mercado passou a acreditar que o futuro não seria tão ruim. Hoje, estamos colhendo os frutos da melhora da política econômica iniciada no fim de 2016. Este ano seria de alívio e de recuperaçã­o da economia. O risco é perder a oportunida­de de continuar essa trajetória boa. A melhora pode ter fôlego curto. Se tem um desequilíb­rio fiscal deste tamanho, como vai fazer ajuste? Vai aumentar imposto? Vai cortar despesas? Se você não sabe como vai ser o ajuste, como vai investir?

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CLAYTON DE SOUZA/ESTADÃO - 24/3/2015 Incerteza. Para Lisboa, sem dinheiro, cortes vão crescer

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