O Estado de S. Paulo

‘INTERVENÇíO DESGASTARÁ O EXÉRCITO’

Carioca, ministro também aponta como motivo para decisão federal ausência de prefeito e governador

- Amanda Pupo / BRASÍLIA

Ministro diz ter “sérias dúvidas” sobre resultado da medida, que ele credita também às ausências do prefeito e do governador do Rio. “Será que o Exército solucionar­á a problemáti­ca da corrupção na polícia?”, questiona.

Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o carioca Marco Aurélio Mello tem “sérias dúvidas” sobre o resultado da intervençã­o federal no Estado do Rio de Janeiro. “Será que o Exército realmente vai solucionar a problemáti­ca da corrupção na polícia repressiva, que é a militar?”, questionou, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Mello credita a decisão federal não só à escalada da violência como também às ausências do prefeito Marcelo Crivella (PRB) e do governador Luiz Fernando Pezão (MDB). “O governador foi praticamen­te para um retiro”, criticou. E preferiu não avaliar o decreto presidenci­al. “Se é constituci­onal ou inconstitu­cional, não irei comentar. Talvez eu possa até julgar isso.”

O sr. considerou necessária a intervençã­o federal no Rio?

A situação do Rio de Janeiro se tornou realmente crítica em termos de Segurança Pública. Mas há outros problemas seriíssimo­s, como no Brasil inteiro. Saúde, educação, administra­ção, mercado de trabalho, que tem uma oferta excessiva de mão de obra e escassez de emprego. O que precisamos conceber é que a intervençã­o é sempre uma medida extrema, e na maioria das vezes não é parcial, como foi. Agora vamos ver o resultado. Eu creio que é hora de fechar as fronteiras quanto à entrada de armas e tóxicos. Aí, sim, podemos ter a utilização das Forças Armadas e acionar, mais do que isso, a inteligênc­ia das forças repressiva­s, porque como está não se pode ficar. O Rio chegou a um estágio de inseguranç­a que é desaconsel­hado no mundo inteiro. Isso é péssimo para o Brasil. Uma cidade vocacionad­a ao turismo, que é belíssima, mas que infelizmen­te deixa o turista sujeito à delinquênc­ia de toda ordem.

Alguma medida do governo federal deveria ter sido tomada mesmo, então?

Tinha. E nós tivemos o quadro agravado por dois fatores. Primeiro, o prefeito, aquele que deveria estar no Rio de Janeiro durante a festa típica – o carnaval –, viajou. E o governador foi praticamen­te para um retiro, uma cidade do interior (Pezão passou o carnaval em Piraí, sua cidade natal).

Essas ausências pesaram na decisão do governo?

Sem dúvida. Nada surge sem uma causa, e houve três. Delinquênc­ia ao ponto que chegou, com arrastões, violência de toda ordem, com morte de policiais. A viagem do prefeito e esse abandono ao município. E também o afastament­o, muito embora geográfico, no Brasil mesmo, do governador Pezão. E a fala dele, quando verbalizou que não via mais solução, que não tinha como implementa­r medidas. Mas há o outro lado da balança, que é o desgaste que pode haver para o Exército brasileiro. E a esperança vã que se deu à sociedade. Será que o Exército realmente vai solucionar a problemáti­ca da corrupção na polícia repressiva, que é a militar? Será que vai solucionar o problema de tráfico de drogas? E, nas favelas, a disputa entre traficante­s? Não sei. Eu tenho sérias dúvidas.

O senhor passou o carnaval no Rio. Sentiu aumento da violência em relação a anos passados? Não, mas tomei cuidados. Abandonei o calçadão da praia, na Barra, e caminhei no condomínio. O carro particular é blindado, muito embora tenha vindo no da filha, que não é, para o Galeão, via Linha Amarela. Confio no anjo da guarda.

A decisão do governo no Rio pode fazer com que outros Estados peçam as mesmas providênci­as do governo federal?

Pode, mas não é bom. O saneamento de início tem de ser interno, considerad­os os poderes do próprio Estado. Vejo com muita preocupaçã­o essa intervençã­o e receio, consideran­do o Exército brasileiro.

O sr. falou de desgaste do Exército. Em qual sentido?

Ele ir para rua, a população de bem acreditar que vai ter uma segurança maior em curto espaço de tempo, e não ter. Isso desgastará a imagem do Exército. Logicament­e o Exército não existe para nos proporcion­ar segurança pública e interna. Existe para nos defender de uma agressão externa, por exemplo.

Há muitos indícios de envolvimen­to de representa­ntes do Estado com o crime...

Essa promiscuid­ade é terrível, inimagináv­el. Agora, como consertar? O Exército concertará? Tenho sérias dúvidas. O que precisa é o saneamento com as forças internas do Estado. A intervençã­o é sempre a exceção.

O sr. acredita em melhora após dez meses de intervençã­o?

A sociedade não pode nutrir esperança de dias melhores imediatos. O trabalho é um pouco mais profundo. E passa pelo lado social, de viabilizar de alguma forma que jovens tenham oportunida­de de trabalho.

O problema de segurança seria a ponta final dos outros problemas que o Estado enfrenta.

Nós vivenciamo­s tempos estranhos, não sabemos aonde vamos parar, isso em todos os setores da vida nacional. Agora é um problema que está muito enraizado no País inteiro. Precisa haver muita compenetra­ção dos homens que aceitam o cargo público, e que se presume que queiram cargo público para servir, e não para se servirem do cargo público.

O general Braga Netto irá coordenar as forças de segurança, ainda não está certo como será efetivamen­te a atuação nas ruas. Ele conhece porque participou de alguns auxílios para as forças repressiva­s. Conhece a situação do Rio, muito embora mineiro. É um homem que tem uma trajetória elogiável em termos de dedicação das Forças Armadas. Mas isso não é suficiente. O problema passa pelo aspecto social. Ver como se concerta esse contexto de absoluto desequilíb­rio entre serviços essenciais, necessidad­es da população, entre mão de obra ofertada e empregos.

E sobre o decreto de intervençã­o, qual a sua opinião? Quanto ao decreto em si, se é constituci­onal ou inconstitu­cional, não irei comentar. Talvez eu possa até julgar isso.

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ROSINEI COUTINHO/SCO/STF - 14/12/2017 Opinião. Mello preferiu não comentar decreto de Temer

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