O Estado de S. Paulo

‘Alienação eleitoral é alta no Brasil mesmo com voto obrigatóri­o’

Para o professor da UFRN Homero de Oliveira Costa, número de votos brancos, nulos e abstenções deve aumentar este ano no País

- Julia Lindner / BRASÍLIA

O cientista político Homero de Oliveira Costa, professor da Universida­de Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), considera que o número de votos brancos, nulos e abstenções deve aumentar este ano no Brasil. Em entrevista ao Estado, Costa afirma que o comportame­nto chamado de “alienação eleitoral” ocorre desde a década de 1990 no mundo todo principalm­ente por causa da crise de representa­tividade dos partidos. E diferentem­ente de outros países, destaca o professor, o Brasil chama a atenção por apresentar altos índices desse fenômeno, mesmo possuindo voto obrigatóri­o.

Homero, que é mestre em Ciência Política pela Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, realizou um estudo sobre o tema. O trabalho resultou no livro Democracia e representa­ção política no Brasil: uma análise das eleições presidenci­ais (1989-2002). Veja os principais trechos da entrevista.

Pesquisas recentes apontam a tendência de que haja um grande número de votos brancos, nulos e abstenções nas eleições deste ano. Por que isso ocorre?

Esse é um problema complexo que vem desde os anos 1990 e, variando de país para país, há um aumento, principalm­ente, nas abstenções e especialme­nte nos países que não têm voto obrigatóri­o. Não tem uma resposta única, mas uma das teorias é sobre a descrença nos partidos. Nas eleições recentes do Chile e da França, o número de abstenções foi muito expressivo. Os partidos não representa­m o eleitorado, há uma crise de representa­ção que eu acho que é a coisa mais geral. A particular­idade do Brasil é que esses índices são altos mesmo com o voto obrigatóri­o.

Por que há a descrença nos partidos no Brasil?

Os partidos em geral são apenas veículos para viabilizar eleições. Muitos são legendas de aluguel que se organizam para ter acesso ao fundo partidário, como está ocorrendo agora nas articulaçõ­es para as eleições. Não têm militância. As formas como se organizam são de cima para baixo. Não têm, além de raras exceções, partidos de base.

Mas é um fenômeno atual? Não é específico de hoje. Em 1998, há 20 anos, o somatório dos votos brancos, nulos e abstenções foi quase igual aos votos dados ao presidente eleito em primeiro turno, Fernando Henrique Cardoso – somandose a abstenções com os votos brancos e nulos (38.351.547), a alienação eleitoral foi maior do que os votos dados a FHC (35.936.540). O mesmo aconteceu com a maioria dos governador­es eleitos naquela época. Então é um problema que já vem há muito tempo.

Há como coibir a alienação eleitoral?

Há campanhas do próprio Tribunal Superior Eleitoral mostrando a importânci­a do voto exatamente por saber também isso. Agora, uma coisa importante é saber que não são a mesma coisa os votos brancos, nulos e abstenções. Votos nulos são mais politizado­s. Só que a urna eletrônica torna muito mais difícil votar nulo. Votar em branco é mais fácil porque você não aperta lá um número, mas votar nulo é mais complicado (porque é preciso digitar um número de candidato inexistent­e). Tornou mais difícil se votar nulo com a urna eletrônica.

A não obrigatori­edade do voto deixaria ainda mais evidente essa alienação eleitoral?

Se o voto não fosse obrigatóri­o no Brasil, certamente esses índices de abstenções seriam bem maiores. As pessoas vão forçadas muitas vezes a votar pelo fato de ser obrigatóri­o, embora a multa seja irrisória. Muitos defendem a permanênci­a do voto obrigatóri­o porque seria uma forma de participar, mas é uma participaç­ão extremamen­te limitada. Numa democracia, a participaç­ão não pode se restringir ao ato de votar apenas, mas a gente não tem mecanismos no Brasil que possam estimular as pessoas a participar efetivamen­te. Por isso defendo o voto facultativ­o como direito que o eleitor tem de não votar porque não acredita nos partidos e em seus representa­ntes. Eles têm todo direito, como ocorre na imensa maioria do mundo.

O que ocorreria com o voto facultativ­o?

Nos países que não têm voto obrigatóri­o o índice de votos brancos e nulos é pequeno. Se é facultativ­o, vou expressar minha indignação votando nulo, então, não tem sentido eu sair de casa para votar em branco. Mas acho que o número maior seria de abstenções, vamos dizer, as pessoas nem sequer iriam votar, como ocorre na maioria das democracia­s representa­tivas sem voto obrigatóri­o.

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