O Estado de S. Paulo

O maior golpe do mundo

- MOISÉS NAÍM E-MAIL: MNaim@ceip.org / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Acada dia, 1,5 bilhão de jovens em todo o mundo entram em prédios chamados escolas ou colégios. Ali, passam longas horas em salas nas quais alguns adultos tentam ensiná-los a ler, escrever, fazer contas, ciências e outras coisas. Isso custa 5% do que a economia mundial produz em um ano.

Grande parte desse dinheiro se perde. Um custo ainda maior é o tempo desperdiça­do por esse 1,5 bilhão de estudantes, que aprendem pouco ou nada que vá lhes ser útil para enfrentare­m o mundo. Os esforços da humanidade para educar seus filhos são titânicos e os resultados, patéticos. No Quênia, na Tanzânia e em Uganda, 75% dos alunos do terceiro ano não sabem ler uma frase simples como “O cão se chama Fido”. Na Índia rural, 50% dos alunos do quinto ano não conseguem fazer subtrações com números de dois dígitos.

O Brasil melhorou o desempenho dos estudantes de 15 anos, mas no ritmo atual eles levarão 75 anos para alcançar a pontuação média em matemática dos colegas de países ricos. Em leitura, a defasagem será de mais de 260 anos. Esses e outros dados desencoraj­adores estão no Relatório sobre o Desenvolvi­mento Mundial, do Banco Mundial. A mensagem central é a de que escolariza­ção não é o mesmo que aprendizag­em. Em outras palavras, ir à escola, ou mesmo “tirar diploma”, não significa que o estudante tenha aprendido muito.

A boa notícia é que o progresso na escolariza­ção tem sido enorme. Entre 1950 e 2010, o número de anos de escolarida­de de um adulto médio nos países de renda mais baixa triplicou. Em 2008, esses países já estavam matriculan­do suas crianças no ensino básico no mesmo ritmo que países ricos. O problema, portanto, não é mais a falta de escolarida­de mas sim de pouco aprendizad­o. Mais que uma crise de educação, o que existe é uma crise de aprendizag­em.

O Banco Mundial dá ênfase a duas outras mensagens. Uma delas é que escolariza­ção sem aprendizag­em não é só uma oportunida­de perdida: é também uma injustiça. Os mais pobres são os que mais sofrem as consequênc­ias da baixa eficácia do sistema educativo. No Uruguai, os alunos do sexto ano com menor renda fracassam em matemática cinco vezes mais do que os equivalent­es de países mais ricos.

O estudante médio dos países mais pobres tem um desempenho pior em matemática e linguagem que 95% dos colegas de países mais ricos. Tudo isso se transforma numa máquina diabólica que aumenta e perpetua a desigualda­de, a qual, por sua vez, é um fértil caldo de cultura para conflitos de todo tipo.

As razões dessa falência educaciona­l são múltiplas, complexas e ainda não totalmente entendidas. Vão desde o fato de muitos professore­s serem tão ignorantes quanto seus estudantes, e faltarem muito ao trabalho, ao fato de os alunos serem subnutrido­s e não terem livros e cadernos. Em muitos países, como por exemplo México e Egito, os sindicatos de trabalhado­res na educação são grandes obstáculos às mudanças, e com frequência a corrupção no setor é alta. Partes significat­ivas dos substancia­is orçamentos para a educação não beneficiam os estudantes, mas os burocratas que controlam o sistema.

O que fazer? A primeira coisa é levantar a situação. Por motivos políticos, muitos países resistem a avaliar com transparên­cia seus estudantes e professore­s. Sem que se saibam quais estratégia­s educativas funcionam, não dá para melhorar o desempenho. A segunda é começar a dar mais peso à qualidade da educação. Pode ser politicame­nte atraente anunciar que uma alta porcentage­m dos jovens de um país vai à escola, mas isso de nada vale se a maioria aprende pouco. A terceira coisa: começar a educar mais cedo. Quanto melhor a educação na pré-escola, mais capacidade de aprender terão os estudantes. A quarta é usar a tecnologia de maneira seletiva, e não como solução mágica. Ela não é isso.

Mas talvez a mensagem mais importante seja a de que os jovens de países pobres não estão condenados a não aprender. Em 1950, a Coreia do Sul era um país devastado pela guerra e com alto índice de analfabeti­smo. Em apenas 25 anos, conseguiu criar um sistema educativo que produz alguns dos melhores estudantes do mundo. Entre 1955 e 1975, o Vietnã também passou por um terrível conflito. Hoje, seus estudantes de 15 anos têm o mesmo rendimento escolar que os da Alemanha. Sim, é possível.

Os jovens de países pobres não estão necessaria­mente condenados a não aprender

É ESCRITOR VENEZUELAN­O E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT EM WASHINGTON

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