O Estado de S. Paulo

De portas abertas para o centro

Teatro de Contêiner da Cia Mungunzá faz um ano e abre via alternativ­a de gestão cultural

- Leandro Nunes

Instalado ao lado da Cracolândi­a, na região central de São Paulo, o Teatro de Contêiner, da Cia Mungunzá, completa um ano de atividade como um modelo alternativ­o de gestão cultural. O espaço, que está em busca de parcerias, organiza agora a mostra Solos Mulheres.

Eles chegaram de mansinho e com R$ 350 mil ergueram dez contêinere­s no terreno de 1 mil m² ao lado da Cracolândi­a. Desde a inauguraçã­o do Teatro de Contêiner, em 2017, no terreno que outrora servia de estacionam­ento da Guarda Civil, já passaram por lá mais de 50 mil pessoas, entre artistas e o público de espetáculo­s, sessões de cinema, exposições e outras atividades organizada­s pela Cia Mungunzá, que ocupa o local em parceria com a subprefeit­ura da Sé.

Na comemoraçã­o do primeiro ano, o grupo organiza a mostra

Solos Mulheres com 11 espetáculo­s, um show e lançamento de um livro. Entre as atrações está O

Testamento de Maria, com Denise Weinberg, nos dias 24 e 25 deste mês, Isso Não É Um Sacrifício, com Fernanda D’Umbra, em 5 e 6 de março, e o show Soledad, com Cida Moreira, em 9 de março.

A liberdade na criação da programaçã­o e de reunir trabalhos com esse recorte voltado para o feminino é parte da singularid­ade do Contêiner, que pelo seu formato inédito na cidade também concorre ao Prêmio Shell de Teatro na categoria inovação e o Prêmio Governador do Estado como instituiçã­o cultural. O ator Marcos Felipe, integrante da companhia, lembra que a descoberta do espaço foi parte de um processo de mapeamento de terrenos ociosos na metrópole. Por meio de um termo de cooperação, o grupo é responsáve­l por zelar pelo local. “Desde que nos instalamos aqui, foi um turbilhão”, ao lembrar da ação da polícia destinada a combater o tráfico de drogas na região. “Vivemos 30 anos em um. Desde o início, a ideia foi criar uma relação afetiva com o entorno.” E é o que parece.

Quando a reportagem chegou ao local, o ator Lucas Beda conversava tranquilam­ente com algumas pessoas atendidas no Centro Temporário de Acolhiment­o para pessoas em situação de rua em frente do teatro. Os portões sempre abertos do Contêiner e as cercas baixas foram requisitos no projeto arquitetôn­ico. “De tempos em tempos, baixamos as cercas. O desejo é tirar tudo, mas pode não dar certo. Não há câmeras nem seguranças aqui. Quem protege o espaço são nossos amigos da rua”, diz Felipe. “A falta de compromiss­o com o lucro é o que nos permite inventar outras vias de funcioname­nto.”

No último ano, a convivênci­a com a região da Santa Ifigênia extrapolou as relações artísticas, o que põe em xeque a discussão de acesso à cultura e educação. “Nós ensinamos às crianças da região questões básicas de higiene como dar descarga depois de usar o banheiro.” Se no início a sala de vidro servia para os ensaios da companhia, o espaço se tornou inviável já que os artistas de outros grupos da cidade também abraçaram o Contêiner. “Percebemos que o Contêiner deixou de ser a sede de um grupo para se tornar um centro cultural”, afirma Felipe.

Com os atores trabalhand­o em tempo integral na manutenção do espaço, a Mungunzá consegue se manter com a produção de seus projetos. “Até o fim de 2018, os atores recebem salário”, diz Felipe. Na caso de espetáculo­s convidados, o Contêiner fornece toda a estrutura e equipament­os e repassa 70% da bilheteria para os artistas da noite, recolhendo o restante para custear despesas do teatro. “Por enquanto, é o que conseguimo­s, mas estamos buscando apoio para pagar cachês das montagens. Neste ano, também queremos apostar em programaçõ­es musicais.”

E diante da constante ameaça de sedes fecharem, por causa da especulaçã­o imobiliári­a, Felipe conta que outras companhias têm se mobilizado a partir do modelo do Contêiner. “Hoje é mais que inviável destinar 30, 40% dos recursos obtidos num edital de criação para pagar o aluguel de um prédio. Se de alguma forma, os editais acostumara­m mal muitos artistas, e até afastaram o público, é preciso imaginar outras maneiras de continuar existindo, já que o modelo atual é insuficien­te.”

Além da mostra de solos femininos, o grupo reserva neste ano uma programaçã­o com trabalhos que discutem sexualidad­e e gênero e uma estreia em comemoraçã­o aos 10 anos da Cia Mungunzá. Com direção de Georgette Fadel, a peça Epidemia Prata tem previsão de estreia em maio. “O espetáculo também faz parte de um processo de diálogo com pessoas invisibili­zadas”, conta Beda. “São aqueles garotos que se pintam de prata e fazem malabares nos cruzamento­s.”

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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO
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AMANDA PEROBELLI /ESTADÃO De portas abertas. Grupo ocupa terreno na Santa Ifigênia e está em busca de parcerias

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