Chavismo age para antecipar eleição legislativa diante de boicote opositor
Manobra política. Diosdado Cabello, um dos nomes mais importantes do governo, propõe adiantar votação também para a Assembleia Nacional, hoje dominada pela oposição, aproveitando a ausência de adversários para retomar o controle do Parlamento
Considerado o homem forte do governo do presidente Nicolás Maduro, Diosdado Cabello propôs ontem antecipar a eleição para a Assembleia Nacional para abril. Inicialmente marcadas para 2020, elas seriam realizadas juntamente com a eleição presidencial, que também foi antecipada. A medida é vista por analistas como um modo de pressionar a oposição para legitimar o processo eleitoral questionado pela comunidade internacional.
Opositores qualificaram a proposta de uma nova iniciativa ditatorial do chavismo, que, por meio da Justiça, anula desde 2015 as competências do Legislativo e convocou uma Assembleia Constituinte que, na prática, substituiu o Parlamento.
Cabello justificou a proposta como uma necessidade de segurança nacional e disse que o controle do Congresso pela coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) paralisou a Venezuela. “Nosso país precisa fazer escolhas. Se não fosse pela Constituinte, não funcionaria”, disse. “Que o novo governo comece com uma Assembleia zero quilômetro.”
O país está imerso em uma grave crise econômica e humanitária, que provocou falta de comida, remédios, hiperinflação, surtos de doenças antes controladas e migração em massa.
Críticas. A oposição condenou a proposta. O governador do Estado de Lara, Henri Falcón, um ex-chavista que aderiu à oposição e pode disputar a eleição presidencial, apesar do boicote da maior parte da MUD, repreendeu Cabello.
“Isso dificilmente contribui com o clima de calma e segurança que o país precisa a meses da eleição”, disse Falcón. Ele afirmou que o Conselho Nacional Eleitoral e a Assembleia Constituinte não têm legitimidade e são controlados pelo chavismo.
O presidente da Assembleia Nacional, o opositor Omar Barboza, também criticou a proposta. “O governo está escolhendo o caminho da ilegitimidade.”
O adiantamento das eleições, avaliam analistas, tem como objetivo pressionar MUD para legitimar o processo eleitoral e aproveitar as fraturas na oposição para perpetuar Maduro no poder, apesar de ter sua popularidade derrubada pela crise.
Segundo o analista DiegoMoya Ocampos, da consultoria britânica IHS Markit, a proposta de Cabello é uma espécie de chantagem. “O chavismo controla as instituições e pode se dar o luxo de adiantar as eleições da
maneira que melhor entender.”
Além disso, de acordo com o analista, o governo calcula ser vital retomar o controle do Congresso,
mesmo que o domínio opositor seja simbólico, antes que a situação macroeconômica piore ainda mais.
A produção de petróleo na Venezuela caiu 20% desde o ano passado, segundo cálculos da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). O FMI calcula que a hiperinflação neste ano deve superar os 13.000%, a mais alta do mundo, e a escassez deve se agravar.
“Vão varrer a oposição do cenário institucional e ela vai ficar completamente sem representação”, disse o analista Luis Salamanca. “Querem aproveitar a fraqueza da MUD, à deriva e fragmentada, para retomar todas as instâncias de poder.”
A quatro dias do fim do prazo para inscrição de candidatos nas eleições presidenciais, a MUD ainda não decidiu formalmente o que fazer, apesar de a
maioria dos partidos que a compõe defender um boicote.
Os principais nomes da MUD estão presos ou impedidos de disputar eleições, como é o caso de Leopoldo López e Henrique Capriles, que anunciou ontem oficialmente o boicote de seu partido, o Primero Justicia, à votação. “Nós não participaremos dessa farsa fraudulenta”, afirmou Capriles. O Voluntad Popular, de López, também não pretende
participar do processo. Dos grandes partidos da MUD, apenas a Ação Democrática, do ex-presidente do Assembleia Nacional Henry Ramos Allup, ainda pensa em participar da votação.