A DOR DE QUEM PERDEU O ÓRGÃO TRANSPLANTADO
Falta de remédio contra a rejeição ameaça a vida de 3,5 mil venezuelanos que receberam órgãos
Lismar Castellanos, de 21 anos, e Yasmira Castaño, de 40 anos, são companheiras de quarto de um hospital público de Caracas. A primeira era um bebê quando a segunda recebeu um rim transplantado. Yasmira viveu bem com o órgão até que a crise econômica fez desaparecer os remédios contra rejeição. No Natal, com a saúde debilitada, ela foi internada. Seu sistema imunológico atacou o órgão transplantado.
O transplante lhe permitiu completar o ensino médio e trabalhar como manicure. Com 35 quilos, ela corre sério risco de morrer. “Passo muitas noites sem dormir, preocupada”, diz Yasmira, no quarto, onde os pacientes não têm TV ou qualquer outro objeto para se distrair.
Agora, Yasmira precisa de diálise três vezes por semana para filtrar seu sangue, mas o hospital da Universidade Central da Venezuela, que já foi uma das principais instituições de saúde da América do Sul, sofre frequentemente com falta de água e de materiais básicos para este tipo de tratamento.
O rim que Lismar recebeu não durou nem um ano. “Infelizmente, posso morrer”, diz a jovem, que enfrenta dificuldades para realizar as sessões de diálise que mantêm seu corpo funcionando.
Essas duas mulheres são exemplo da luta diária de 3,5 mil venezuelanos transplantados. Após vários anos com vidas normais, muitos temem que o colapso da economia nos últimos anos do governo de Nicolás Maduro impeça Caracas de importar medicamentos ou de produzi-los nos laboratórios instalados no país.
Apenas em janeiro, ao menos 31 venezuelanos viram seus corpos rejeitarem os órgãos transplantados em razão da falta de medicamentos, segundo dados da ONG Codevida. Nos últimos três meses, sete pessoas morreram no país em razão das complicações resultantes de falhas em órgãos.
Ao menos 16 mil pessoas – muitas em intermináveis filas de espera por um órgão – dependem da realização de diálise para limpar o sangue. Quase metade das unidades de diálise da Venezuela está fora de serviço, segundo o deputado opositor e oncologista José Manuel Olivares, que visitou centros para avaliar a escala do problema.
Doenças antes controladas, como difteria e sarampo, voltaram a infectar centenas de milhares de pessoas em todo o país em razão da falta de vacinas e de antibióticos, e muitos venezuelanos que sofrem de doenças crônicas, como câncer ou diabetes, frequentemente têm de abandonar o tratamento.