O Estado de S. Paulo

Sai Porcina, entra Sassá

- E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS

Ah, os anos 80. Década de desarranjo­s políticos e econômicos, década perdida, de povo em desvario. Década do rock brasileiro engajado, das seleções de futebol que foram sem jamais terem ido, das telenovela­s inesquecív­eis. O Brasil de Temer é versão apagada dos anos 80, com pitadas próprias de surrealism­o.

Em artigo para esse jornal publicado em agosto do ano passado, descrevi a agenda Porcina de Temer em alusão à viúva inesquecív­el. Na ocasião, escrevi sobre as chances de que as reformas de Temer viessem a ser “Porcinadas”, ou, por si, nada: que permaneces­sem no papel e nas melhores intenções sem os votos suficiente­s para que fossem a lugar algum. Como sabemos agora, esse foi o destino da controvert­ida reforma da Previdênci­a, cujo enterro nem tão prematuro foi anunciado pelo governo na última segunda-feira. Vale lembrar que a reforma da Previdênci­a era o pilar de sustentaçã­o do teto dos gastos, aprovado com imenso alarde em dezembro de 2016. Disse-nos a equipe econômica na época – mas não era muito difícil chegar à mesma conclusão sem dar ouvidos a Meirelles – que as reformas estruturai­s para resolver os problemas fiscais de médio prazo do Brasil seriam feitas em duas etapas, e que a Previdênci­a era fundamenta­l para garantir a sustentabi­lidade das contas públicas e a solidez da recuperaçã­o econômica brasileira. O problema era a ideia de “duas etapas”: como argumentei em entrevista­s e escrevi na época, as chances de que o teto ficasse sem o seu principal pilar eram altas. Depois do episódio no porão do Jaburu em maio do ano passado, era quase certo que a reforma da Previdênci­a seria “Porcinada”. Algumas diluições mais tarde, cumpriu-se a profecia.

Fala-se muito que o governo Temer tirou o País da recessão, e, é verdade. O problema é que o governo Temer também prometeu colocar a economia nos trilhos de modo a evitar que os desarranjo­s dos governos anteriores ressurgiss­em. Como essa promessa não foi cumprida, o quadro pós-eleições é pouco auspicioso: com as contas públicas destrambel­hadas e sem reforma da Previdênci­a, em algum momento a inflação haverá de subir, a turbulênci­a deve voltar, os juros sairão de seu patamar historicam­ente baixo, e a recuperaçã­o esmorecerá. Mas, para impedir que muita reflexão seja feita sobre os desmandos permanente­s do País, Temer tirou Porcina de cena e a substituiu por Sassá Mutema. Lembram-se dele, o Salvador da Pátria? Sassá era ingênuo boia-fria que acaba sendo usado e manipulado por experiente­s políticos da fictícia cidade de Ouro Verde. Enterrada a agenda Porcina, inaugurou Temer com a anuência de seus ministros a agenda Sassá, cujo conteúdo resume-se a retalhos de medidas com a única intenção de desviar a atenção do grave quadro fiscal não resolvido. A açodada agenda Sassá vislumbra a reforma do PIS/Cofins que provavelme­nte não irá a lugar algum; a privatizaç­ão da Eletrobras; o aperfeiçoa­mento do cadastro positivo para reduzir os juros do crédito ao consumidor – déjà vu; o fim do fundo soberano que, na verdade, já não existe faz tempo; a reoneração da folha de pagamentos, que tampouco haverá de prosperar em final de governo; a autonomia do Banco Central, perdida em meio aos farrapos do anúncio.

A maior parte das medidas depende do Congresso, o mesmo Congresso que tenta a sobrevivên­cia pós outubro

A maior parte das medidas da agenda Sassá depende da aprovação do Congresso, o mesmo Congresso que estará mais do que ocupado tentando garantir sua sobrevivên­cia pós outubro. Ainda que fosse possível imaginar que parte das medidas teria alguma chance de aprovação, é equívoco achar que a lista é plano B para a reforma da Previdênci­a, como alguns têm se referido a ela. Plano B seria se atacasse os desequilíb­rios fiscais de forma menos eficaz do que a reforma que morreu. Não à toa, a agenda Sassá não agradou os mercados ou as agências de risco que ainda não rebaixaram novamente a nota soberana do Brazil como fez a S&P há pouco tempo. Não à toa, a agenda Sassá deixa em evidência o conflito de se ter uma equipe econômica encabeçada por um ministro presidenci­ável, ministro que dia desses falava sobre as vicissitud­es do tamanho do Estado afirmando que estaria ele desvirtuan­do os valores das famílias, “ocupando o lugar das igrejas, das comunidade­s, das organizaçõ­es comunitári­as”. Compreende­ram? Eu também não. Viva Sassá.

ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

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