O Estado de S. Paulo

Postalis usou auditoria de empresa investigad­a

Mesma companhia deu aval a investimen­tos suspeitos e depois auditou números do fundo

- Fabio Serapião Fernando Nakagawa / BRASÍLIA

Investigaç­ão da PF e do MPF mostra que a empresa Baker Tilly foi contratada pelos gestores do Postalis, o fundo de pensão dos funcionári­os dos Correios, para auditar suas contas mesmo depois de dar aval a investimen­tos que resultaram em prejuízo de R$ 500 milhões. Medida reforçou decisão de intervir no Postalis.

Após dar aval a investimen­tos fracassado­s de quase R$ 500 milhões do fundo de pensão dos Correios, a empresa Baker Tilly Brasil foi posteriorm­ente contratada pelos gestores do Postalis para auditar a mesma carteira de investimen­tos. O resultado dessa auditoria reforçou a decisão da Superinten­dência Nacional de Previdênci­a Complement­ar (Previc), órgão regulador do setor, de intervir no fundo de pensão dos funcionári­os dos Correios.

A Operação Pausare, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal – deflagrada há duas semanas e que investiga operações financeira­s do Postalis –, revelou que a Baker Tilly estaria envolvida em um esquema responsáve­l por conduzir o Postalis a investimen­tos que resultaram em prejuízo milionário ao fundo.

O procurador Ivan Marx e o delegado Luiz Flávio Zampronha, responsáve­is pela Pausare, sugeriram em relatório que fosse investigad­o o envolvimen­to da empresa no esquema de desvios no fundo por conta da sua participaç­ão “nas sucessivas avaliações utilizadas nas demonstraç­ões financeira­s do patrimônio do fundo, realizadas em auditorias independen­tes”.

A Baker Tilly foi contratada pelos gestores do Postalis em duas situações. Em 2010 e 2011, a empresa prestou serviços de consultori­a para o fundo ao avaliar as potenciali­dades de dois projetos: a criação de uma bolsa eletrônica de valores, que seria concorrent­e da Bovespa, e o financiame­nto de projetos de eletricida­de. A avaliação da consultori­a foi positiva e, diante disso, o Postalis decidiu investir R$ 223,4 milhões dos carteiros no projeto “Nova Bolsa” e outros R$ 270 milhões em projetos de energia e bioenergia.

Quatro anos depois, em 2014, a mesma Baker Tilly foi novamente contratada pelos gestores, dessa vez para auditar os números do mesmo fundo de pensão dos Correios. A empresa produziu relatórios desde então até 2017, quando, ao analisar as contas do ano anterior, disse que não poderia constatar a veracidade de todos os dados apresentad­os pelo Postalis.

Avaliação. A legislação brasileira define que é vedado ao auditor

prestar serviços de consultori­a “que possam caracteriz­ar a perda da sua objetivida­de e independên­cia”. Entre os serviços vetados mencionado­s pela Comissão de Valores Mobiliário­s (CVM) estão a avaliação de empresas, reavaliaçã­o de ativos

e outro serviço “que influencie ou que possa vir a influencia­r as decisões tomadas pela administra­ção da instituiçã­o auditada”.

O aparente conflito de interesse foi descartado pelo diretor de consultori­a da Baker Tilly Brasil, Marco Túlio Fiorese. “Nunca fomos contratado­s do Postalis ao mesmo tempo para auditoria e consultori­a”, disse o executivo. Os serviços de consultori­a ocorreram em 2010 e 2011, disse Fiorese, enquanto o serviço de auditoria se deu somente a partir de 2014.

Um possível conflito de interesse envolvendo a Baker Tilly, porém, já havia sido apontado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal na Operação Pausare. Ao avaliar o investimen­to no projeto “Nova Bolsa”, os investigad­ores notaram que “a referida empresa de auditoria já havia sido contratada pelos próprios responsáve­is pelo empreendim­ento, sendo evidente o conflito de interesses e a falta de imparciali­dade da Baker Tilly Brasil”.

Sem comentar o caso específico da Baker Tilly, o vice-presidente técnico do Conselho Federal de Contabilid­ade (CFC), Idésio Coelho, explica que a contrataçã­o de uma empresa para auditar números após ter prestado serviços de consultori­a pode acontecer, desde que não seja ao mesmo tempo. Ele nota, porém, que há casos em que a empresa de auditoria pode simplesmen­te declinar do contrato.

Procurada, a CVM informou que, por ser um fundo de pensão, o Postalis não está sob jurisdição da entidade. “Assim, a contrataçã­o por ela de empresa de auditoria não está abrangida pelo regime da Instrução 308 e, portanto, não há que se falar em eventual violação”. Já a Previc informou que não comenta casos específico­s.

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ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA-20/9/2017 Investigaç­ão. Três investimen­tos do fundo de pensão dos Correios, que somam R$ 600 milhões, teriam resultado em perdas

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