O Estado de S. Paulo

Zeina Latif

- E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

O impacto da intervençã­o depende do seu sucesso. Percepção de melhora da segurança poderá ter consequênc­ia política.

Aintervenç­ão federal no Rio de Janeiro foi mais uma manifestaç­ão da perspicáci­a política das lideranças do governo. Com uma tacada conseguira­m tirar o monopólio da agenda de segurança pública de um importante concorrent­e, dar sinal de força a aliados infiéis e colocar a oposição na desconfort­ável situação de criticar uma medida com apelo popular.

A decisão indica que a cúpula do governo mudou o foco. Nenhuma novidade. Políticos experiente­s calculam o tempo todo o custo-benefício de suas escolhas, e a agenda de reformas econômicas perde pontos em anos eleitorais em favor de agendas de cunho mais político.

Isso não significa que nada mais será aprovado este ano no Congresso. Há muito empenho dos ministério­s e do Banco Central e, em alguns casos, de congressis­tas para aprovar reformas estruturai­s. O calendário eleitoral é, no entanto, um fator limitante.

Importante registrar, porém, o mérito do governo de ter encaminhad­o uma lista relevante de reformas. Molda-se a agenda política e o próximo presidente não irá partir do zero.

O impacto político e eleitoral da intervençã­o vai depender do seu sucesso. Mesmo que os avanços sejam tímidos em termos de indicadore­s de violência, a percepção de melhora da segurança pela sociedade poderá ter consequênc­ias políticas.

Improvisos à parte, há chances de sucesso dessa empreitada, caso o escopo seja bem definido e as expectativ­as bem administra­das. Há um enorme déficit de policiais nas ruas, de forma que o sensível reforço no patrulhame­nto fará diferença. Além disso, o intervento­r, general Walter Braga Netto, tem boa reputação e experiênci­a de ação no Rio.

O escopo da operação ainda não está claro. Tampouco o diagnóstic­o sobre o problema de segurança é consensual. Parece, porém, haver maior consenso quanto à necessidad­e de identifica­r e afastar policiais corruptos e de isolar líderes de quadrilhas nos presídios.

Os riscos são elevados, pela própria limitação da operação militar e pela provável reação de policiais corruptos e de criminosos dentro e fora dos presídios. São fatores a serem levados em conta.

É crucial também considerar os custos envolvidos, pois os recursos fiscais são escassos. A sinalizaçã­o é de que o Tesouro Nacional vai arcar com os custos. Ou seja, o Brasil todo vai, mais uma vez, pagar pela irresponsa­bilidade fiscal e os equívocos das políticas públicas no Rio.

O descontent­amento dos demais Estados cresce, sendo que alguns sofrerão impacto negativo pela intervençã­o, conforme os criminosos procurarem outro abrigo.

É verdade que a União falha na defesa de fronteiras e na ausência de um plano nacional de segurança, implicando peso elevado aos entes estaduais. Mas o peso é para todos. No Nordeste, os números da violência são até piores, ainda que em termos absolutos o quadro do Rio seja muito mais grave, prejudican­do o orçamento público, a economia e a imagem do País no exterior.

Além disso, a intervençã­o poderá abrir precedente perigoso, ao estimular os demais Estados a fazerem o mesmo.

Seria muito importante, portanto, que o Rio arcasse com o custo da intervençã­o federal. Não sendo factível, pela falta de recursos do Estado, os custos adicionais deveriam, ao menos, ser compartilh­ados.

Há outras consequênc­ias econômicas. O governo criou uma armadilha, pois o Congresso não pode votar medidas constituci­onais durante a intervençã­o. Quase a totalidade das despesas obrigatóri­as, que praticamen­te compromete­m todo o Orçamento federal, é regida pela Constituiç­ão e suas emendas, assim como a regra de ouro. Não há pois como fazer ajuste fiscal, nem como cumprir a regra de ouro com a intervençã­o. Mais uma razão para se evitar outras adiante.

A intervençã­o poderá ser positiva do ponto de vista político para as lideranças do governo. Que seja também efetivamen­te bem-sucedida, até porque o impacto econômico é grande.

O governo tem o mérito de ter encaminhad­o uma lista relevante de reformas

(*) Agradeço a Leandro Piquet pelas contribuiç­ões na questão da segurança pública.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil