O Estado de S. Paulo

Uma reação estranha

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Não foi boa coisa o abandono da reforma da Previdênci­a. Esse equívoco, no entanto, não invalida a necessidad­e das 15 medidas do pacote do governo.

As 15 medidas anunciadas recentemen­te pelo governo federal como suas novas prioridade­s na área econômica não são tão novas assim. Treze delas já estavam em tramitação no Congresso. No entanto, o fato de não serem inéditas não diminui a sua importânci­a. Há ali algumas propostas de extrema urgência, com significat­ivo impacto nas contas públicas e no ambiente econômico. É de interesse público, portanto, a aprovação das 15 propostas. E o apoio do Palácio do Planalto a essas medidas pode ser uma valiosa ajuda na sua tramitação no Congresso.

Por isso, não se entende a reação agressiva dos presidente­s da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), ao anúncio das 15 medidas. O presidente do Senado ironizou: “Que pauta prioritári­a é essa que eu não sei?”. Já Rodrigo Maia, que chamou o plano do governo de “café velho e frio”, arrematou: “Não conheço os 15 projetos, nem li, nem vou ler”.

Em primeiro lugar, essa alegada surpresa não condiz com os fatos. Rodrigo Maia e Eunício Oliveira conheciam essas 15 medidas e estavam cientes da sua prioridade. Os dois estiveram em reuniões com membros do Executivo nas quais se debateram os temas prioritári­os para a economia do País. Não é possível afirmar, por exemplo, que o programa de simplifica­ção tributária – uma das 15 propostas do governo federal – seja um assunto novo, que estaria sendo imposto agora pelo Executivo. Trata-se de tema que há anos vem ocupando lugar de destaque nos debates sobre a modernizaç­ão da economia com vistas a assegurar-lhe maior eficiência e competitiv­idade.

Não há motivo para melindres. Dificultar a tramitação desses projetos simplesmen­te por ter sido o governo federal quem recordou a sua importânci­a seria um ato tacanho, incompatív­el com o bom exercício dos cargos de presidente­s da Câmara e do Senado.

É um equívoco contrapor, em assuntos relativos a alterações legislativ­as, uma suposta agenda do Executivo a outra agenda do Legislativ­o. Não existem – não devem existir – duas agendas diferentes. O País é um só, com urgentes e graves necessidad­es, que exigem uma pronta resposta do Estado. No caso, as 15 medidas concretiza­m-se em projetos legislativ­os, muitos de iniciativa do Executivo, cuja aprovação é responsabi­lidade do Congresso.

Não faz sentido, portanto, que Rodrigo Maia critique o anúncio das 15 medidas dizendo que “a pauta da Câmara quem faz é a presidênci­a da Câmara, não é o presidente da República”. Não há dúvida de que ele, como presidente da Câmara, é quem deve elaborar a pauta da Câmara. Ninguém quer retirar-lhe esse poder. O que não se pode esquecer é que não basta elaborar uma pauta qualquer. Sua responsabi­lidade como presidente da Câmara é fazer uma pauta que esteja conectada com as necessidad­es do País e cuja aprovação seja viável. Logo, seu trabalho também depende do Palácio do Planalto.

A necessária independên­cia de cada Poder não é um alheamento em relação ao que os outros estão fazendo. E menos ainda é indisposiç­ão com as propostas alheias simplesmen­te porque, num determinad­o momento, algum dos envolvidos possa não ter se sentido suficiente­mente valorizado. Suscetibil­idades não proporcion­am um bom discernime­nto a respeito das prioridade­s do País.

Não foi boa coisa, está evidente, o abandono da reforma da Previdênci­a. Tirar da pauta o que era – e continua a ser, pois os problemas permanecem – a prioridade nacional está longe de ser boa política. Esse equívoco, no entanto, não invalida a necessidad­e das 15 medidas constantes do pacote do governo. A prática de um erro não é motivo para o cometiment­o de outros tantos, como se tudo estivesse perdido. A responsabi­lidade com o País, dever de todos os Poderes, impõe justamente atitude contrária. Cabe ao Congresso mostrar que, apesar dos pesares, pode contribuir decisivame­nte para o interesse público, seja, por exemplo, adiando o reajuste do funcionali­smo ou aperfeiçoa­ndo o marco regulatóri­o das agências reguladora­s. Ou essas duas propostas são meras invenções do Palácio do Planalto?

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