O Estado de S. Paulo

Cantoria

Projeto Gig Nova terá apresentaç­ão à capela.

- Julio Maria

Aos poucos, o projeto Gig Nova desenha um cenário com músicos e artistas jovens que não fazem parte de nichos mais privilegia­dos por espaços de mídia ou patrocínio­s de empresas. Até agora, em suas três edições de 2017, o jornal já escolheu para as noites mais de 50 instrument­istas. Guitarrist­as, pianistas, baixistas, violonista­s, bateristas, percussion­istas, violinista­s, instrument­istas de sopro, acordeonis­tas. Eles foram reunidos em gigs inéditas, ganharam matérias veiculadas pelo Estado e se apresentar­am em noites que se tornaram uma espécie de celebração à música instrument­al na casa Tupi or not Tupi, na Vila Madalena.

A edição de hoje, a primeira deste 2018, será diferente. As vozes entram em ação com apresentaç­ões de Irene Atienza, Cibele Codonho, Patricia Bastos, Vanessa Moreno e Marcelo Pretto. Eles estarão reunidos aos grupos Sambaranda, Barbatuque­s e Seis Canta. A noite começa às 21h, com quatro gigs que levam uma média de 40 minutos cada uma.

Há uma nova linguagem em construção, algo que pode ficar claro em várias das apresentaç­ões de 2017. Os jovens chegam com vontade de se comunicar com um público abrangente, mas sem abrir mão da profundida­de. Alguns expoentes da música instrument­al dos anos 80 e 90 podem de fato ter fechado muito seus raios de atuação a plateias iniciadas. Outra natureza em mutação tem a ver com a atitude dos artistas. Como em outras áreas, esses jovens têm hoje um maior controle não apenas da música que fazem, mas de toda a cadeia de produção e pós-produção musical. São, ao mesmo tempo, músicos, produtores, assessores de imprensa, divulgador­es.

O disco físico ainda é uma necessidad­e de represamen­to de uma coleção de obras criadas sob uma mesma proposta. São os álbuns que ainda garantem estofo, ou não, às carreiras sobretudo iniciantes. Ao mesmo tempo, o organismo desses artistas difere muito daqueles de atuação mais online, como os chamados nomes do rock indie ou mesmo da música brasileira. É com eles que os cantores e instrument­istas autorais precisam aprender a criar uma base de fãs também com estratégia­s nas redes sociais. Essa mobilizaçã­o, por menor que seja, pode reforçar aquele público que já os acompanha fisicament­e pelo circuito de jazz. Um consenso, no entanto, é reafirmado a cada edição do Gig Nova. Poucas vezes houve uma renovação tão vibrante, de nomes tão talentosos, como esta que passa a ocupar os palcos do País.

Depois de três edições darem visibilida­de a mais de 50 instrument­istas da geração que desponta criando uma nova música brasileira a partir de São Paulo, o projeto Gig Nova abre 2018 com uma proposta inédita. Em vez de instrument­os, vozes. E vozes também com funções instrument­ais. Seguindo o formato original do projeto, de promover reuniões exclusivas com talentos pouco visíveis mesmo no fluxo de notícias dos cadernos culturais, o jornal escolheu cinco cantores e três grupos vocais e os misturou em quatro formações (as gigs, como chamam os músicos). A apresentaç­ão dessas quatro gigs será hoje, a partir das 21h, na casa de shows Tupi or not Tupi, na Vila Madalena.

O Gig Nova Vozes abre com a espanhola Irene Atienza, o grupo Barbatuque­s e mais dois integrante­s do grupo vocal harmônico Sambaranda, Cristiano Santos e Diego de Jesus. Irene, que lança agora seu primeiro álbum, Salitre, puxado por uma parceria com Lenine em Grãos de Sal, tem uma personalid­ade vocal fortalecid­a pelo DNA da música flamenca. Seu álbum, com músicas em português e em espanhol, revela também uma compositor­a de pensamento bastante original.

O segundo encontro terá a cantora amapaense Patrícia Bastos, que lançou um dos melhores discos de 2016, com o grupo de repertório brasileiro contemporâ­neo Seis Canta e uma das vozes do Barbatuque­s, Marcelo Pretto. Batom Bacaba, de Patrícia, inseriu a música amapaense na cena mais recente da música brasileira e trouxe alguns dos seus maiores compositor­es sem investir em folclorism­os didáticos graças à sensibilid­ade do produtor paulistano Dante Ozzetti. Indicado para o Prêmio da Música Brasileira de 2017, acabou perdendo para Maria Bethânia, com Abraçar e Agradecer.

O Seis Canta terá seu tempo depois de Patrícia. Em um país de pouca tradição com grupos vocais harmônicos, jovens que se conheceram enquanto tinham aulas na Escola de Música do Auditório Ibirapuera conquistar­am o segundo lugar no Concurso Nacional de Novos Grupos Vocais, o Brasil Vocal, no Rio de Janeiro. Vídeos na internet mostram como dividem vozes com muito movimento em músicas como Depressão Periférica, de Kiko Dinucci, e Maria de Vila Matilde, de Douglas Germano. Duas mostras de que música vocal não precisa viver de clássicos e patrimônio­s. O Seis Canta é formado hoje por Amanda Temponi, Aninha Ferrini, Everton Dantas, Paulla Zeferino, Raquel Bernardes e Wilson Alves.

Marcelo Pretto, mesmo conhecido pelo coletivo, é outra voz de brilho próprio desde que praticamen­te introduziu uma nova função vocal ao surgir como destaque dos Barbatuque­s, há quase 20 anos. Não é só o canto nem só a percussão, mas um lugar que encontrou entre um e outro para criar uma musicalida­de absolutame­nte original. Outra mostra do que seu vocal propõe está no álbum A Carne das Canções, lançado com o violonista Swami Jr em 2014.

A terceira gig terá Cibele Codonho dividindo vozes com o sexteto Sambaranda. Cibele tem histórico de grupos vocais. Filha de Odécio Codonho, mentor do antológico Trio Tambatajá, um dos primeiros a levar a bossa nova ao Japão nos anos 60, ela criou, nos anos 90, ao lado de Leni Requena e da irmã, Solange Codonho, o grupo de repertório brasileiro A Três. Aula de Canto, uma das canções gravadas no álbum Vocalise, teve arranjo de Severino Filho, dos Cariocas, o maior grupo vocal brasileiro de todos tempos. Em 2005, lançou com Filó Machado um álbum em homenagem a Tom Jobim, Tom Brasileiro e seu disco atual, Afinidade, dirigido por Pichu Borrelli, tem entre as participaç­ões o cantor Mark Kibble, do grupo norte-americano Take 6, considerad­o a bíblia dos grupos vocais contemporâ­neos.

O Sambaranda, que começou a ensaiar com Cibele no dia da sessão de fotos para esta matéria, no prédio do Estadão, é um sexteto idealizado por Rafael Carneiro. Sua existência tem exemplos da incompreen­são com relação à música vocal no País. Alguns programado­res de casas de shows não entendiam bem qual a proposta do grupo e, por isso, não os colocavam na agenda. Seu primeiro disco fala por si. Delírios Volume 1 recebeu, no ano passado, nos Estados Unidos, o prêmio de melhor álbum de jazz no prestigiad­o Contempora­ry A Cappella Recording Awards 2017 (CARA). O primeiro grupo brasileiro a ganhar um prêmio de música a capela na terra da música a capela e da tradição gospel, um dos maiores berços da música vocal no mundo. Sua formação hoje tem Nani Valente, Penélope Celano, Fredson Torres, Cristiano Santos, Diego de Jesus e o mentor Rafael. Seus movimentos harmônicos são muito interessan­tes e as vozes do baixo são um destaque à parte.

Grávida de nove meses de Alice, Vanessa Moreno faz sua penúltima apresentaç­ão no Gig Nova antes do parto. Na noite seguinte, ela estará na Casa de Francisca para mais um show da temporada de Em Movimento, disco que resume como se materializ­a a musicalida­de de uma das cantoras conhecidas por usar a voz como um instrument­o de fato, de pensamento livre e sobretudo centrado no ritmo (Baião no Porão, por exemplo, é mostra definitiva de seu poder de arrebatame­nto). Seus dois álbuns anteriores foram feitos apenas com voz e o contrabaix­o de Fi Maróstica. O último deles, Cores Vivas, só com músicas de Gilberto Gil e produção de Swami Jr, é outro belo disco de 2016.

Causa expectativ­a o encontro entre Vanessa e os Barbatuque­s. A gig 4 será aberta em parceria com Marcelo Pretto, o que já deve dar a dimensão da visão criativa de duas vozes sem limites. Ela depois fica com os Barbatuque­s e então deixa o palco para que o grupo faça a última parte da noite. A investigaç­ão musical que esse coletivo faz desde sua criação, em 1995, com as ideias de Fernando Barba, o torna o grupo de proposta corporal mais importante em atividade. Mais do que a voz, eles mostram que as possibilid­ades passam por todo o corpo. Seus 14 integrante­s já visitaram mais de 20 países, mostrando o repertório de três discos. O mais recente é Tum Pá, de 2012. Antes houve Corpo do Som (2002) e O Seguinte É Esse (2005).

Gig Nova Edição Vozes. Quinta (22), às 21h. Tupi or not Tupi. R. Fidalga, 360. Vila Madalena. Tel: 3813-7404 Preço: R$ 60

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Cantoria. Cantores e cantoras foram misturados pelo jornal a grupos vocais em noite única
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FELIPE RAU/ESTADÃO
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Os 20 cantores, entre grupos e solistas, que estarão no Gig Nova Vozes de hoje
FELIPE RAU/ESTADÃO Vinteto. Os 20 cantores, entre grupos e solistas, que estarão no Gig Nova Vozes de hoje

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