O Estado de S. Paulo

A intervençã­o federal no Rio

- RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ

Das decisões em relação à segurança pública no Rio de Janeiro poder-se-ia afirmar o que Hegel dizia da filosofia: elas chegam sempre tarde demais, “quando as sombras da noite se aproximam”, ou seja, quando o crime organizado já se sedimentou e tornou sua refém a própria sociedade. Lembrome de que em 2003, em palestra proferida no Conselho Técnico da Confederaç­ão Nacional do Comércio, eu apregoava a necessidad­e dessa intervençã­o, em face do poder que os bandidos tinham assumido no Rio. Hoje, 15 anos depois, a intervençã­o foi decretada, de forma tímida, mas, enfim, ensejando uma nova etapa no combate à criminalid­ade.

O próprio presidente da República, Michel Temer no ato de assinatura do decreto de intervençã­o federal deixou clara a gravidade do momento: o banditismo sequestrou a vida dos cariocas e fluminense­s! O mal, segundo o presidente, assemelha-se, hoje, à metástase produzida no organismo pelo câncer, com a criminalid­ade ameaçando a segurança pública também em outros Estados brasileiro­s. Em face dessa desgraça, a resposta do governo não poderia ter sido outra.

Parece-me, no entanto, que a intervençã­o decretada ainda é tímida demais, diante da gravidade dos fatos. Com um organismo policial, como o que hoje atua no Estado do Rio de Janeiro, corroído até as entranhas pela corrupção e pelas negociatas obscuras com o crime organizado, como já foi reconhecid­o por muitos, desde o governo federal até as instâncias estaduais e municipais, era necessário que a intervençã­o focalizass­e, primeiro, o saneamento da corporação da Polícia Militar (PM) do Estado do Rio de Janeiro. A banda podre da PM, sabemos, torna a corporação refém dos interesses dos meliantes. Bandidos eliminam sem nenhum constrangi­mento, metralhand­o-os no meio da rua e à luz do dia, os oficiais, suboficiai­s e jovens soldados que contrariam os seus interesses. Até um comandante de batalhão foi recentemen­te executado na rua, numa cena que não era de um simples confronto com meliantes.

O presidente Temer recordou, no seu pronunciam­ento, o drama de famílias que sofrem com a perda de entes queridos, notadament­e crianças, vítimas do fogo cruzado entre bandidos e forças policiais. Mas, convenhamo­s, boa parte do drama decorre da presença entre os atores à margem da lei de elementos corruptos provenient­es da Polícia Militar, alguns deles hoje integrados às milícias, as quais constituem a outra frente da luta armada e disputam com os marginais território­s nas favelas, tendo-se incorporad­o já ao mercado de tóxicos e de armas. A Polícia Civil, por sua vez, encontra-se numa situação de penúria administra­tiva e financeira que a impossibil­ita de realizar a contento os seus trabalhos investigat­ivos e de inteligênc­ia

Ora, em face da gravidade do problema, a primeira frente da luta contra o crime organizado deve começar pela extirpação cirúrgica e rápida dos focos de policiais militares corruptos, como foi feito na Colômbia, no início da luta do Estado contra os cartéis das drogas. Em Bogotá, no primeiro ano de enfrentame­nto à corrupção policial, nos anos 90 do século passado, mais de 2 mil agentes foram postos no olho da rua e passaram a responder na Justiça por seus crimes. A providênci­a do saneamento da corporação policial militar deve incluir a identifica­ção e sumária expulsão dos elementos vinculados ao crime organizado, seja qual for a sua patente. Terá o intervento­r federal poderes para tanto?

Por outro lado, o decreto de intervençã­o prevê que as Forças Armadas não têm poder de polícia no combate sem quartel que vão travar contra o crime organizado. Ou seja, não têm poder para eliminar em confronto ou prender bandidos. Acho tímida demais essa modalidade de intervençã­o.

Os militares deveriam ser munidos do poder de polícia, que compartilh­ariam com os quadros escolhidos das Polícias Militar e Civil. E precisam contar com todo o amparo legal para eliminar os bandidos que entrarem em confronto com eles ou que atentarem contra os cidadãos. Se não for assim, os militares ficarão em posição de desvantage­m no cumpriment­o da sua missão.

A atual quadra de empoderame­nto do crime organizado no Rio de Janeiro é mais um capítulo das desgraças que o populismo trouxe ao País, a partir da redemocrat­ização. Primeiro foram os dois governos populistas de Leonel Brizola, que tornaram os morros santuários do crime organizado, com a sua maluca ideologia do “socialismo moreno” que impedia os policiais de entrarem nos redutos dos bandidos. Depois vieram as réplicas dos discípulos de Brizola, entre os quais se destaca o casal Garotinho. Aí veio a desgraça que se abateu sobre o Brasil com o populismo lulopetist­a no governo federal, que encontrou eco na corrupta gestão de Sérgio Cabral. O PT simplesmen­te abriu as portas do nosso país ao crime organizado, graças às simpatias de Lula pelos regimes “bolivarian­os”, claramente favoráveis ao narcotráfi­co, como o chavista, na Venezuela, o do bispo Fernando Lugo, no Paraguai, e o do líder cocalero Evo Morales, na Bolívia.

A sociedade civil deve apoiar com firmeza a intervençã­o federal no Rio e a ação das Forças Armadas no combate ao crime organizado. A pior atitude é a de alguns acadêmicos de esquerda que identifica­m as atuais medidas como um “espanta baratas” que não produzirá resultados. Isso somente reforça os interesses do crime organizado. É necessário que as universida­des e os centros de estudos destaquem os aspectos que podem ser dinamizado­s para a intervençã­o atual ter sucesso. A crítica destrutiva apenas favorecerá os interesses dos meliantes.

Perante situações extraordin­árias devemos empenhar esforços também extraordin­ários. Não temos outro caminho.

Diante de situações extraordin­árias devemos empenhar esforços extraordin­ários

COORDENADO­R DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGIC­AS DA UFJF, PROFESSOR EMÉRITO DA ECEME. DOCENTE DA UNIVERSIDA­DE POSITIVO, LONDRINA E-MAIL: RIVE2001@GMAIL.COM

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