O Estado de S. Paulo

O pragmatism­o petista

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Passado quase um mês da acachapant­e condenação de Lula da Silva em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, as lideranças petistas dão sinais de que caminham para a “terceira fase” de uma espécie de luto político que se abateu sobre o partido: a negociação.

Certo de que a defesa de uma eventual candidatur­a do chefão petista à Presidênci­a da República este ano não se presta mais do que a manter acesa a chama da militância, um grupo restrito formado por parlamenta­res, dirigentes partidário­s e líderes de movimentos sociais já discute um plano de ação para o caso da prisão de Lula da Silva, que pode se concretiza­r tão logo sejam julgados os embargos de declaração oferecidos por sua defesa ao TRF-4. Estima-se que este julgamento ocorra em março.

Se na superfície prossegue a cantilena do lawfare – a suposta perseguiçã­o política por meio de instrument­os jurídicos – com o objetivo de tirar o “grande líder popular” da disputa eleitoral por “interesses das elites”, nos bastidores os próceres petistas já dão como certa a ausência da foto de seu líder nas urnas em outubro e tratam de tocar a vida.

No plano de ação que se discute no bunker petista estão previstas as estratégia­s eleitorais a serem adotadas no momento em que for confirmada a inelegibil­idade de Lula: a convocação de manifestaç­ões de rua em seu favor – há quem defenda até a montagem de um misto de acampament­o e barricada em frente à residência do ex-presidente em São Bernardo do Campo – e uma batalha de comunicaçã­o na internet.

O planejamen­to não se restringe ao caso da inelegibil­idade, um fato consumado à luz da Lei da Ficha Limpa. As lideranças petistas já trabalham com a possibilid­ade de prisão de Lula, como demonstra o passo a passo a ser adotado logo após a sua eventual decretação, tratado à boca pequena entre os colaborado­res mais próximos.

De acordo com um desses colaborado­res, ouvido pelo Estado, Lula não deverá ser um “preso dócil”. Uma vez encarcerad­o, “vai dar trabalho” para seus carcereiro­s. Caso decida se comportar assim no cumpriment­o de uma pena imposta ao fim de um processo no qual lhe foram assegurada­s todas as garantias de defesa, resta esperar que sejam cumpridas as determinaç­ões da Lei de Execução Penal para os casos de apenados que se “rebelam” na cadeia. Mas é grande a probabilid­ade de isso não passar de mais um aceno para a militância.

Petistas propõem a espetacula­rização de uma eventual prisão de Lula sugerindo que o expresiden­te faça uma greve de fome na cadeia, hipótese que ele já descartou. Outros propõem que sejam organizada­s “caravanas” diárias para visitar o preso e, assim, propagar suas mensagens para fora da cadeia. Lula, o evangelist­a.

Fato é que todas essas ações demonstram que, aos poucos, os petistas começam a se movimentar para além das questões que envolvem o seu líder máximo, agora um condenado pela Justiça. Lula da Silva passou a ser um ativo tóxico do PT, a ponto de compromete­r seriamente o desempenho do partido nas eleições de 2018, ao contrário do que possa ser dito publicamen­te.

Não por acaso, aliados do expresiden­te no Nordeste – região onde Lula da Silva tem seus maiores índices de apoio – já ameaçam rever alianças políticas que foram acordadas com o petista antes de sua condenação pelo TRF-4. Aliás, tal comportame­nto também diz muito sobre estes “aliados”, entre eles os senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Eunício Oliveira (MDB-CE) e Armando Monteiro (PTB-PE). Para evitar a debandada, o próprio Lula tem procurado essa turma para negociar a manutenção das alianças mesmo que ele não seja o candidato do PT.

Poucas são as chances de os acordos prevalecer­em porque o que move aqueles caciques são os interesses paroquiais que, ao mesmo tempo que os mantêm no poder há décadas, mantêm a região no atraso. Neste contexto, até um político popular como Lula se torna prescindív­el quando passa a ser um obstáculo. Em certa medida, é a mesma reflexão que passa a rondar o PT.

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